Os esforços de Donald Trump para mudar o regime na Venezuela podem fazer com que ele acabe em um atoleiro estratégico, político e jurídico.
Trump convocou altos funcionários e assessores de segurança nacional do governo dos Estados Unidos para uma reunião no Salão Oval da Casa Branca na noite de segunda-feira (1°), buscando definir os próximos passos em um caso que agora está saindo do controle, tanto dentro do país sul-americano quanto em Washington.
Antes dessa reunião, o ditador Nicolás Maduro dançou diante de uma multidão de apoiadores em Caracas, em um comício ao ar livre ao estilo Trump, refutando rumores de que teria cedido aos apelos dos EUA para deixar o país.
“Não queremos a paz dos escravos, nem a paz das colônias”, declarou Maduro.
As bases políticas internas já frágeis da campanha de Trump estão se tornando ainda mais vulneráveis, à medida que a Casa Branca não consegue conter a crescente polêmica sobre um ataque dos EUA que teria matado sobreviventes da tripulação de uma embarcação suspeita de tráfico de drogas no Caribe.
Integrantes do Partido Democrata no Congresso que são críticos de Trump alertam para um possível crime de guerra. Vários republicanos influentes estão chocados e demonstrando uma disposição incomum para investigar rigorosamente o governo.
O impasse entre os Estados Unidos e a Venezuela começa a consumir a Casa Branca após mais de quatro meses de crescente pressão política, econômica e militar, exemplificada pela imponente presença do maior porta-aviões do mundo, o USS Gerald R. Ford, e de uma frota de navios americanos em águas próximas ao país sul-americano.
Além disso, o papel do Secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, nos ataques aos barcos está sob crescente escrutínio.
O ex-apresentador da Fox News foi uma escolha controversa para liderar o Pentágono, e sua falta de experiência, comportamento arrogante e desrespeito a algumas salvaguardas éticas e legais das Forças Armadas ameaçam torná-lo um problema político para Trump, enquanto os democratas exigem sua renúncia.
Mas, de forma mais ampla, o desafio Maduro representa um dilema estratégico cada vez mais profundo para Trump, Hegseth, o Chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, Dan Caine, o Secretário de Estado americano, Marco Rubio, e outras autoridades.
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1 de 7O porta-aviões USS Gerald R. Ford, os caças FA-18EF Super Hornets dos Esquadrões de Caça de Ataque 31, 37, 87 e 213 da Ala Aérea Embarcada, e um bombardeiro B-52 Stratofortress da Força Aérea operam juntos • Seaman Paige Brown
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2 de 7Destróieres de mísseis guiados da classe Arleigh Burke, USS Mahan, à esquerda, e USS Bainbridge, navegam em formação enquanto um FA-18 Super Hornet, a bordo do USS Gerald R. Ford (CVN 78), inicia pouso • Petty Officer 2nd Class Triniti Lersch
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3 de 7O porta-aviões USS Gerald R. Ford (CVN 78), com caças FA-18EF Super Hornets designados aos esquadrões de caça de ataque 31, 37, 87 e 213 e um bombardeiro B-52 Stratofortress • Seaman Paige Brown
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4 de 7O Grupo de Ataque do Porta-Aviões Gerald R. Ford da Marinha dos EUA, incluindo o navio-almirante USS Gerald R. Ford (CVN 78), à frente, o USS Winston S. Churchill (DDG 81), à direita, o USS Mahan (DDG 72), à esquerda, o USS Bainbridge (DDG 96) e os caças F/A-18E/F Super Hornets embarcados, pertencentes aos Esquadrões de Caça de Ataque 31, 37, 87 e 213, opera como uma força conjunta e multidomínio com um bombardeiro B-52 Stratofortress da Força Aérea dos EUA, em 13 de novembro de 2025 • Petty Officer 3rd Class Gladjimi Balisage
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5 de 7Oito caças FA-18EF Super Hornets, pertencentes aos Esquadrões de Caça de Ataque 31, 37, 87 e 213 da Ala Aérea Embarcada a bordo do USS Gerald R. Ford (CVN 78), e um bombardeiro B-52 Stratofortress • Petty Officer 2nd Class Triniti Lersch
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6 de 7Destróieres de mísseis guiados da classe Arleigh Burke, USS Bainbridge (DDG 96), ao centro, USS Mahan (DDG 72) e USS Winston S. Churchill (DDG 81), os caças FA-18EF Super Hornets, a bordo do USS Gerald R. Ford • Seaman Zamirah Connor
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7 de 7Grupo de Porta-Aviões Gerald R. Ford da Marinha dos EUA, incluindo o navio-almirante USS Gerald R. Ford, à esquerda, o USS Winston S. Churchill, o segundo da esquerda, o USS Mahan e o Bainbridge, à direita • Petty Officer 3rd Class Tajh Payne
Enquanto isso, Trump está fazendo grandes declarações.
Ele afirmou que ataques contra alvos de cartéis de drogas “em terra” começariam “muito em breve” — mas não especificou onde ocorreriam. Antes, declarou que o espaço aéreo do país deveria ser considerado fechado. Mas Maduro não cedeu.
O presidente dos EUA agora precisa considerar se sua retórica belicosa está começando a perder credibilidade sem uma demonstração de força militar que o envolva em um conflito no exterior.
Maduro desafia as “opções” dos EUA para deixar o país
Os Estados Unidos esperam que seu reforço militar perturbe Maduro a tal ponto que ele aceite o exílio no exterior ou seja deposto por generais de seu círculo íntimo.
Trump confirmou conversou recentemente com Maduro por telefone, mas o ditador venezuelano permanece no poder.
David Smolansky, político da oposição venezuelana, disse a Jim Sciutto no programa “The Brief” da CNN International que os Estados Unidos já haviam dado a Maduro “opções” para deixar o país.
Porém, a recusa do regime em ceder testará a disposição de Trump em cumprir sua ameaça de tomar “o caminho difícil”, enquanto Maduro, como de costume, prolonga as negociações e as crises para enfraquecer a determinação de seus adversários.
A obstinação do venezuelano também levanta a questão de se qualquer nível de pressão dos EUA, sem ação militar, seria capaz de enfraquecer seu regime.
Uma possibilidade é que o governo dos Estados Unidos tenha subestimado a resiliência da base de poder de Maduro, um erro comum das administrações americanas ao longo dos anos que esperavam ver o colapso de rivais totalitários em nações inimigas.
Maduro espera que Trump perca a paciência, comece a procurar bodes expiatórios em seu círculo íntimo e negocie sua própria saída.
Se o presidente americano optar por uma ação militar, a ideia de uma invasão em larga escala da Venezuela ainda parece impensável.
Então, é possível levantar duas questões: Ele tem opções que possam comprometer a segurança de Maduro de uma forma que altere a situação política em Caracas? Ou ataques a supostos centros de tráfico de drogas ou bases militares, na verdade, encorajariam Maduro, unificariam a opinião pública em torno dele e o levariam a acreditar que pode resistir?
As opções que Trump enfrenta são especialmente difíceis, visto que uma saída pacífica de Maduro, que libertaria milhões de venezuelanos após duas décadas de ditadura e restauraria a democracia, seria um triunfo de política externa.
Além disso, enviaria uma mensagem do poder e das intenções dos EUA a outros adversários, incluindo Cuba, e demonstraria à China e à Rússia, que buscam exercer influência e desestabilizar a região, que Trump domina seu território geopolítico.

Uma estratégia bem-sucedida para a Venezuela poderia confundir os críticos de política externa nos círculos de poder, assim como Trump fez quando bombardeou as instalações nucleares do Irã no início deste ano — uma aposta que se mostrou acertada, com consequências menos perigosas do que muitos especialistas temiam.
Mas se Maduro sobreviver ao aumento das tropas americanas e à intensa pressão, ele emitirá uma declaração devastadora para Trump. A autoridade do presidente diminuirá. Os autocratas de Pequim e Moscou, que adoram impressionar, tomarão nota.
Presidentes dos EUA que retiram grupos de ataque de porta-aviões da Europa e os posicionam na costa da América Latina em meio a uma retórica beligerante tendem a criar esses testes de credibilidade.
“Acho que isso foi realmente uma tentativa de intimidar o governo Maduro e o próprio Maduro para que renunciasse ou fosse depostos caso se recusasse a sair. Isso não aconteceu”, avaliou Christopher Sabatini, pesquisador sênior para a América Latina da Chatham House, em Londres, à jornalista Isa Soares, da CNN.
“É um momento crucial para Donald Trump: ele tentará desescalar a situação?”, continuou Sabatini.
“Ele se meteu em uma grande enrascada. Ele continuará insistindo no erro? Ou tentará encontrar uma solução negociada, não apenas para Maduro, mas também para si mesmo, declarando vitória e seguindo em frente?”, adicionou.
Ainda não sabemos o que Trump está disposto a arriscar para alcançar seus objetivos na Venezuela — que incluem instalar um governo favorável aos EUA que possa aceitar o retorno em massa de imigrantes e esteja disposto a participar dos lucrativos acordos de petróleo e minerais que sustentam a política externa americana.
O vasto poderio militar dos EUA no Caribe poderia causar danos catastróficos à infraestrutura venezuelana ou ao que a Casa Branca descreve como operações de narcotráfico, mesmo que a maior parte do fentanil — droga que os EUA usam para justificar suas ofensivas — entre no país pelo México.
Mísseis de cruzeiro, ataques de porta-aviões ou ataques aéreos na região poderiam paralisar as forças de Maduro.
Mas quaisquer baixas americanas ou civis involuntárias poderiam se voltar contra Trump e causar um desastre político em um momento em que as pesquisas mostram que um número esmagador de cidadãos americanos se opõe à ação militar na Venezuela.
E a história mostra que, mesmo em circunstâncias extremas, regimes ditatoriais construídos ao longo de décadas costumam ser mais duradouros do que aparentam.
O regime venezuelano é frequentemente comparado a uma rede criminosa de múltiplas camadas, cujos integrantes principais têm enormes interesses financeiros na perpetuação de seu poder.
E embora muitos esperem que a pressão de Trump leve à ascensão dos governantes democráticos legítimos do país, alguns analistas temem que uma fragmentação do governo possa causar caos, derramamento de sangue e prolongada incerteza política.
Assim, nenhuma das opções que o círculo íntimo de Trump estava considerando na reunião na Casa Branca é custo zero.
Revelação de ataque subsequente a barco perto da Casa Branca
Enquanto luta para desenvolver uma estratégia militar mais clara, o governo dos Estados Unidos está encontrando dificuldades para rebater as crescentes críticas sobre o ataque de 2 de setembro a um barco no Caribe, que levantou preocupações sobre possíveis violações das leis americanas e internacionais.
A nova narrativa da Casa Branca sobre o caso apenas aumenta a tensão política.
A possibilidade de um segundo ataque ao barco é preocupante porque levanta a possibilidade de que medidas tenham sido tomadas para matar sobreviventes do ataque inicial, mesmo que estivessem feridos ou não representassem uma ameaça aos Estados Unidos.
Isso poderia violar as leis da guerra ou as Convenções de Genebra.
Inicialmente, o secretário de Defesa dos EUA criticou esses relatos, chamando-os de “fabricados, inflamatórios e depreciativos” e concebidos para desacreditar os “guerreiros” americanos.
Trump reagiu a uma reportagem do Washington Post que alegava que Hegseth havia dado a ordem para “matá-los”, afirmando que seu secretário de Defesa havia declarado que “não disse isso”. Mas também afirmou que, pessoalmente, não teria desejado um segundo ataque.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, confirmou que um segundo ataque havia ocorrido. Ela informou que o almirante Frank M. “Mitch” Bradley, comandante do Comando de Operações Especiais dos EUA, foi o responsável por ordená-lo e que ele estava “totalmente dentro de sua autoridade”.
No entanto, Leavitt se recusou a explicar a ameaça que o barco representava para o pessoal militar dos EUA antes do segundo ataque.
Mais tarde naquele mesmo dia, Hegseth também enfatizou que Bradley ordenou o ataque em questão.
“Sejamos absolutamente claros: o Almirante Mitch Bradley é um herói americano, um verdadeiro profissional, e tem meu total apoio. Apoio-o e apoio as decisões de combate que ele tomou, tanto na missão de 2 de setembro quanto em todas as subsequentes”, declarou.
Se o comentário do secretário, formulado como uma promessa de apoio aos “guerreiros” americanos, for interpretado pelos militares como o oposto, poderá ter um impacto corrosivo na cadeia de comando e na confiança dos oficiais superiores na interpretação de ordens.
Politicamente, a estratégia do governo americano parece ser repetir constantemente que Trump e Hegseth alegaram ter autoridade legal para atacar embarcações que transportavam traficantes de drogas.
No entanto, essa abordagem ignora críticas jurídicas profundas às suas ações e à sua autoridade.
Além disso, a Casa Branca se recusou publicamente a divulgar a justificativa legal e as provas para tais ataques, contidas em um relatório confidencial do Gabinete de Assessoria Jurídica.
Senadores democratas que tiveram acesso ao documento o classificaram como “negligente” e problemático.
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1 de 6Barco atacado pelos EUA no Caribe após o governo Trump anunciar que estão em “conflito armado” contra cartéis de drogas • Donald Trump via Truth Social
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2 de 6Vídeo mostra suposta operação naval dos Estados Unidos no Caribe em outubro • Corpo de fuzileiros navais dos Estados Unidos via Comando Sul dos EUA
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3 de 6Vídeo mostra segundo ataque dos Estados Unidos a um barco da Venezuela que estaria transportando drogas • @realDonaldTrump
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4 de 6Trump divulga vídeo de ataque a barco da Venezuela que estaria transportando drogas • Donald Trump via Truth Social
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5 de 6O porta-aviões USS Gerald R. Ford, que foi enviado para a América Latina, durante missão programada em Oslo, na Noruega, em apoio às Forças Navais dos EUA na Europa e África em setembro de 2025 • Facebook/USS Gerald R. Ford – CVN 78
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6 de 6Ataque dos EUA a embarcações no Pacífico deixa 14 mortos • Reuters
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Em um sinal da ansiedade do governo diante da crescente indignação, a secretária de imprensa Leavitt afirmou que Hegseth conversou com parlamentares que expressaram suas preocupações sobre o ataque durante o fim de semana.
Ainda assim, o deputado democrata Ro Khanna disse à jornalista Kasie Hunt, da CNN, que vários de seus colegas republicanos ficaram “mortificados” com as notícias do ataque duplo.
Ele instou Hegseth e Bradley a comparecerem perante a Comissão de Serviços Armados para explicar as ordens que deram. “Pode ser que ambos tenham violado a lei. O povo americano merece respostas”, disse Khanna.
E o deputado Mike Rogers, presidente republicano do Comitê de Serviços Armados da Câmara, disse à CBS que, se o ataque duplo tiver ocorrido conforme descrito, seria um “ato ilegal”.
Em outra entrevista, ele disse a Erin Burnett, da CNN, que o relato “difere significativamente do parecer jurídico que nos foi apresentado e, claro, aborda as importantes preocupações dos integrantes: o simples fato de que esses ataques estão acontecendo”.
Além de Hegseth e Bradley, a responsabilidade geral por essa missão recai sobre o comandante-chefe. Trump está se afundando cada vez mais no atoleiro venezuelano que ele mesmo criou e parece ter poucas opções — em Washington ou Caracas — para se desvencilhar dele.
