Entre 2014 e 2021, 6% dos órgãos doados no Brasil não puderam ser transplantados por problemas no transporte. Em um país como o nosso, com cerca de 80 mil pessoas na fila de espera por um transplante, todos os insumos são importantes e podem, literalmente, mudar a vida de muita gente.
Em boa parte do mundo, os órgãos são transportados em caixas térmicas muito semelhantes às usadas no transporte de alimentos e bebidas do dia a dia, o que os expõem a impactos e variações de temperatura que acabam atrapalhando a doação.
Foi pensando em aumentar o aproveitamento de órgãos que um grupo de pesquisadores começou a se debruçar sobre o problema para criar uma caixa transportadora que reduza estas perdas ao conservar melhor a temperatura dos órgãos.
“Existem vários problemas de logística do transporte que podem ser resolvidos com a caixa. A distância, que ameaça a perda da temperatura ou o aquecimento do órgão, e vários outros problemas relacionados sobretudo à segurança e a rastreabilidade deste tecido humano”, explica Bartira Roza, docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que participa da pesquisa.
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A iniciativa reúne desenvolvedores da São Rafael Câmaras Frigoríficas, da Unifesp, do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) e do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL). O grupo, chamado de Safe-Tx, desenvolveu a Emais-SR, uma embalagem inteligente para o transporte de órgãos e tecidos humanos, apoiada pela Financiadora de Estudos e Projeto (Finep) com R$ 1,76 milhão.
Tecnologia para melhorar transplantes
Os detalhes da nova caixa transportadora foram apresentados em outubro em um estudo publicado na Revista Médica de São Paulo. O método permite manter os órgãos na temperatura ideal para que não ocorra nenhuma deterioração dos tecidos — algo entre 8ºC e 10ºC —, além de manter um isolamento que impede qualquer oscilação térmica ou contaminação no transporte.
A Emais-SR emprega refrigeração própria com uma tecnologia semelhante a um mini ar-condicionado isolado. A solução incorpora também monitoramento tecnológico. O recurso permite rastrear cada movimento e detectar variações, incluindo impactos físicos na caixa. As informações alcançam equipes em tempo real e ampliam segurança no trajeto.
Ao mesmo tempo, porém, a Emais-SR enfrenta um desafio, já que a embalagem foi planejada para reuso. Os coolers usados atualmente são descartados após o transporte. A nova caixa térmica, porém, é feita para ser preservada, mas isso envolve desafios específicos na higienização.
“Os maiores desafios envolveram garantir uma higienização com alto padrão de biossegurança, por isso foram utilizados materiais capazes de suportar múltiplos ciclos de limpeza profunda sem perder desempenho, vedação ou estabilidade térmica para evitar qualquer risco de contaminação entre usos”, explica a pesquisadora Joana Meirelles, superintendente da Área de Saúde e Transformação Digital da Finep.
Desafios técnicos e validação final
A ideia de uma caixa transportadora mais segura já nasceu como um projeto entre várias instituições. “O nosso projeto começou em 2017 com trabalhos de conclusão de curso aqui da Mauá através de um desafio colocado pela Unifesp e isso foi o embrião deste protótipo que estamos apresentando agora”, relembra Ari Nelson Rodrigues Costa, professor do centro de pesquisa Mauá de Tecnologia.
Os testes com a caixa são feitos desde 2020 e agora o projeto está pronto para passar pela validação clínica. A etapa simula cenários reais com rotinas distintas entre hospitais de transplante para avaliar os efeitos reais de se usar a nova transportadora. Neste teste, as equipes medem consistência do isolamento em diferentes trajetos e climas e também dos sistemas de monitoramento digital.
A confirmação desse padrão habilitará o início da produção da caixa ainda em 2026, com a previsão de chegada ao mercado em 2027. Segundo Meirelles, a estabilidade do controle térmico proposto pela Emais-SR é uma forte evidência de que é possível melhorar o transporte de órgãos no Brasil. “Esse é um projeto estratégico que trará impacto real para a vida das pessoas, por isso consideramos fundamental investir nesta tecnologia”, destaca Joana.
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Fonte: Metrópoles

