O Desenrola Brasil, programa criado para facilitar a renegociação de dívidas e reduzir o endividamento das famílias, já soma R$ 48 milhões em calotes dentro das próprias operações refinanciadas. O dado, obtido a partir de informações do Fundo Garantidor de Operações (FGO), revela que uma parcela dos consumidores que aderiram ao programa voltou a atrasar ou deixou de pagar as parcelas dos novos contratos.
A cifra corresponde às operações que, mesmo após descontos significativos, alongamento de prazos e redução de juros, não foram honradas. Em muitos casos, tratam-se de dívidas originalmente consideradas de alto risco, com atraso superior a 90 dias antes da renegociação, que migraram para o Desenrola com promessa de pagamento facilitado.
A inadimplência, no entanto, mostra que uma fatia dos beneficiados continua enfrentando dificuldades para reorganizar o orçamento.
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A inadimplência do programa soma R$ 48 milhões, sendo cerca de R$ 26 milhões referentes às negociações firmadas em 2023 e aproximadamente R$ 21 milhões às tratativas de 2024. O valor representa 3,46% do montante total negociado, que chega a aproximadamente R$ 1 bilhão. Em 2025, o programa já recuperou R$ 41 milhões em débitos atrasados.
O Banco do Brasil esclareceu que “o programa FGO Desenrola Brasil possui saldo aproximado de R$ 1,38 bilhão, dos quais R$ 1,017 bilhão já foi honrado pelo fundo garantidor. O valor restante refere-se a operações ativas, que poderão ser honradas caso não sejam pagas pelos mutuários e atendam aos critérios do programa”.
O valor acumulado de calotes pode refletir o comportamento financeiro de famílias que, mesmo renegociando débitos antigos, seguem pressionadas por renda estagnada, serviços mais caros e compromissos básicos do orçamento doméstico. Para essas pessoas, o alívio das condições oferecidas pelo Desenrola foi insuficiente para estabilizar o fluxo de caixa mensal.
O impacto recai diretamente sobre o FGO, que funciona como garantia das operações dentro do programa. Quando o consumidor deixa de pagar, o fundo cobre parte do risco das instituições financeiras, absorvendo o prejuízo. Na prática, quanto maior a inadimplência, maior a necessidade de recomposição do fundo, que é financiado com recursos públicos.
Entenda o desenrola
- Criado para reduzir o endividamento das famílias, o Desenrola Brasil ofereceu renegociação de dívidas bancárias e não bancárias com descontos, juros menores e prazos alongados;
- O programa foi lançado oficialmente em julho de 2023, após medida provisória enviada pelo governo e regulamentação pelo Ministério da Fazenda;
- As dívidas eram incluídas em uma plataforma digital, onde bancos e empresas ofereciam descontos em um sistema de leilão; o consumidor escolhia a melhor proposta e refinanciava o débito;
- O programa teve duas faixas principais: a Faixa 1, para pessoas com renda de até dois salários mínimos ou inscritas no CadÚnico; e a Faixa 2, para dívidas bancárias de consumidores de renda mais alta, negociadas diretamente com bancos;
- Parte das operações teve garantia do FGO, que cobre inadimplência e reduz o risco para os bancos, mecanismo que possibilitou juros menores e maior alcance das renegociações.
- O FGO é um fundo público que funciona como um tipo de seguro para os bancos, cobrindo parte das perdas quando há inadimplência. No Desenrola, ele garantiu as renegociações feitas principalmente para consumidores de baixa renda.
As instituições financeiras que aderiram ao Desenrola também monitoram os números com atenção. Embora o montante de R$ 48 milhões seja pequeno diante do volume total renegociado, ele sinaliza a persistência de um problema estrutural, grande parte dos consumidores que chegaram ao programa já estava em situação de alto estresse financeiro, e a renegociação não elimina vulnerabilidades como informalidade no trabalho, renda variável e gastos obrigatórios crescentes.
Desde o lançamento, o Desenrola ofereceu faixas diferentes de atendimento, incluindo renegociações por meio de plataformas digitais, leilões de descontos e condições específicas para dívidas bancárias e não bancárias.
O programa registrou forte adesão na primeira fase, especialmente entre pessoas com renda mais baixa e dívidas de pequeno valor.
Especialistas avaliam que programas como o Desenrola aliviam o acúmulo de dívidas antigas, mas não substituem políticas estruturais de aumento de renda, educação financeira e expansão do crédito responsável. O avanço dos calotes dentro do programa é visto como um termômetro importante, indica que o endividamento continua elevado e que parte significativa das famílias ainda opera no limite do orçamento.
O Ministério da Fazenda não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Fonte: Metrópoles
