Estudo aponta “manobras” da indústria farmacêutica contra concorrência

Entre 2012 e 2016, um medicamento usado no tratamento de epilepsia teve seu preço elevado em até 2.600% no Reino Unido, após uma manobra regulatória das detentoras do produto. Em poucos meses, o sistema público de saúde e as farmácias britânicas passaram a pagar até 26 vezes mais pelo mesmo remédio, sem qualquer alteração na fórmula ou na qualidade.

Em outro caso, na África do Sul, cerca de 10 mil mulheres diagnosticadas com câncer de mama ficaram sem acesso a um medicamento essencial, entre 2010 e 2020, porque o preço cobrado pela detentora da patente era considerado tão alto que inviabilizava sua oferta pelo sistema público. As autoridades classificaram o impacto como uma violação ao direito à saúde e à vida.

Esses dois episódios estão na pesquisa apresentada em “Condutas Anticompetitivas no Setor Farmacêutico”, livro dos juristas Luiz Augusto Hoffmann e Pedro Victor Lacerda, que reúne 129 casos documentados de práticas anticompetitivas cometidas por grandes empresas do setor. A obra foi lançada pelo Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos em novembro.

Além dos casos internacionais, o livro traz episódios documentados no Brasil, como a investigação sobre o mercado de escopolamina.

Em 2021, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) recomendou a abertura de um processo administrativo após identificar indícios de que sete empresas teriam atuado em cartel na produção do composto, usado como insumo em medicamentos antiespasmódicos.

De acordo com o órgão antitruste, o esquema teria funcionado por cerca de 30 anos e envolvia desde a limitação coordenada da produção até o ajuste prévio de preços, passando pela divisão de clientes e territórios e pela criação de barreiras artificiais para manter novos concorrentes fora do mercado.

A partir de decisões oficiais de dezenas de países, do Brasil à Coreia do Sul, os autores mostram como abusos de patentes, aumentos injustificados de preços, acordos para atrasar genéricos, cartéis em licitações e ações judiciais de má-fé têm impactado diretamente a concorrência e o acesso da população a medicamentos essenciais.

Para além das pesquisas, os autores alertam que a guerra por medicamentos acessíveis não está restrita a um país: trata-se de um fenômeno global, alimentado por estratégias de exclusão e por falhas regulatórias.

Segundo os autores, “embora os contextos regulatórios e econômicos variem, os desafios fundamentais e as estratégias ilícitas adotadas pelas empresas exibem uma notável universalidade”.

Para os juristas, o setor farmacêutico é um “oligopólio diferenciado” e permanece em um padrão entre a proteção de inovações e a garantia de acesso a medicamentos pelos pacientes e os sistemas de saúde.

Se as práticas são semelhantes, as legislações divergem de uma nação para outra. Os juristas sugerem que o combate a condutas anticompetitivas no setor exige mais do que multas, precisa de cooperação internacional, atualizações regulatórias e integração entre política industrial, propriedade intelectual e defesa da concorrência.

No livro, os autores buscam ajudar na procura por um caminho para um mercado farmacêutico mais transparente, competitivo e alinhado ao interesse público.

A Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) foi procurada pela CNN Brasil para comentar o lançamento do livro.

A entidade afirma que o setor opera hoje sob “padrões éticos e regulatórios robustos” e destaca ter sido pioneira na criação do Código de Conduta da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, que estabeleceu normas rígidas de compliance.

A associação defende que análises sobre o mercado considerem o contexto e a evolução regulatória do setor no Brasil.

“Trazer casos antigos ou de outros países sem essa contextualização pode induzir a interpretações equivocadas sobre a realidade brasileira atual do setor, que hoje opera sob padrões éticos e regulatórios robustos”, afirma.

A Interfarma acrescenta que a inovação exige altos investimentos e que a propriedade intelectual é essencial para garantir previsibilidade e estimular o desenvolvimento de novos tratamentos.

Segundo a entidade, o atraso médio de 9,5 anos na análise de patentes pelo INPI gera insegurança jurídica e desestimula investimentos, por isso defende mecanismos de correção quando o atraso for causado pelo Estado.

A associação afirma que continuará colaborando com autoridades e sociedade para políticas que conciliam inovação, acesso e ética no setor de saúde.

O Grupo FarmaBrasil, a associação privada e sem fins lucrativos que representa as principais empresas farmacêuticas brasileiras de capital nacional, também foi procurada pela CNN Brasil. O espaço segue aberto.

Leia a nota completa da Interfarma concedida à CNN Brasil:

A Interfarma, Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, reafirma que ética e integridade são pilares da indústria farmacêutica de pesquisa e orientam sua atuação para promover inovação, transparência e acesso a tratamentos de qualidade

Como parte desse compromisso, a entidade foi pioneira ao criar o Código de Conduta da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, marco de autorregulação que estabeleceu padrões rigorosos de compliance e integridade. É importante que publicações editoriais apresentem uma avaliação rigorosa do histórico, do contexto e da aplicabilidade ao cenário brasileiro, considerando também a evolução das práticas ao longo dos anos, como a autorregulação com regras rígidas de compliance e a regulação do mercado pela Anvisa.

Trazer casos antigos ou de outros países sem essa contextualização pode induzir a interpretações equivocadas sobre a realidade brasileira atual do setor, que hoje opera sob padrões éticos e regulatórios robustos.

A inovação científica exige investimentos elevados e longos ciclos de pesquisa. Por isso, a propriedade intelectual é essencial para garantir segurança jurídica e previsibilidade, permitindo que empresas recuperem investimentos e continuem desenvolvendo terapias que transformam vidas.

No entanto, atrasos na análise de patentes biofarmacêuticas no Brasil chegam a 9,5 anos, muito acima da meta de 2 a 3 anos do próprio INPI, criando incertezas regulatórias e desestimulando investimentos. É por isso que a Interfarma defende a recomposição de prazo (PTA) quando houver atraso injustificado do Estado, prática já adotada em diversos países. Esse mecanismo não amplia direitos, apenas corrige distorções e alinha o Brasil às melhores práticas internacionais.

Um sistema de patentes previsível é imprescindível para que novas tecnologias cheguem aos pacientes e para que o país permaneça competitivo na atração de pesquisa clínica e desenvolvimento de terapias avançadas. Patentes e genéricos não são opostos, mas complementares: a exclusividade temporária estimula a inovação, enquanto a concorrência pós-patente amplia o acesso da população a medicamentos seguros e eficazes.

A Interfarma seguirá colaborando com autoridades e sociedade para construir políticas públicas sustentáveis, que conciliem inovação científica, acesso equitativo e ética, valores que permanecem como base do setor de pesquisa em saúde no Brasil.

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