Pernambuco registrou, até o fim de novembro, 82 casos de feminicídio, número superior ao total de 2024, quando 76 mulheres foram mortas em razão do gênero, segundo dados da SDS (Secretaria de Defesa Social). Nos primeiros 11 meses do ano passado, 68 feminicídios foram contabilizados, o que representa um aumento de 20,5% em relação ao mesmo período de 2024.
No dia 29 de novembro, um incêndio criminoso matou Isabely Gomes de Macedo, de 40 anos, e seus quatro filhos, na comunidade Icauã, no bairro Caxangá, zona oeste do Recife. O marido da vítima, conhecido como Guel, foi preso suspeito de agressão e de ter ateado fogo na própria casa com os filhos dentro. Já no dia 1º de dezembro, um homem foi detido em flagrante na comunidade Engenho Cavalcanti, na Zona da Mata Norte, após tentar matar a ex-companheira incendiando a residência em que ela vivia. Três crianças estavam no local, mas ninguém se feriu.
O aumento dos feminicídios em Pernambuco demonstra, segundo a advogada de família e da mulher Fabiana Leite, que “embora possuamos um arcabouço normativo relevante, como a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio e políticas públicas específicas, há uma distância significativa entre a previsão legal e a proteção real e efetiva das mulheres”.
A advogada afirma que um dos principais fatores é a fragilidade na implementação das políticas públicas existentes, já que muitas medidas protetivas são concedidas sem acompanhamento adequado, sem fiscalização do agressor e sem suporte contínuo à vítima. Além disso, há uma sobrecarga dos serviços especializados, como delegacias da mulher, varas especializadas, casas-abrigo e equipes psicossociais, que operam com déficit de pessoal, estrutura e orçamento.
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Fabiana destaca ainda que “o feminicídio raramente ocorre de forma abrupta. Ele costuma ser o estágio final de uma sequência de violências psicológicas, morais, patrimoniais, físicas e sexuais, muitas vezes já conhecidas pelo sistema de justiça e pelos órgãos de segurança pública. Quando essas violências não são interrompidas a tempo, o desfecho pode ser fatal”. Segundo ela, o aumento de 20,5% nos casos “indica muito mais falhas estruturais e operacionais na rede de proteção do que uma mudança substancial no perfil da violência”.
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A advogada também aponta fatores estruturais que contribuem para os feminicídios: “O primeiro deles é o machismo estrutural, que sustenta a ideia de que o homem tem poder de controle sobre o corpo, a vida, as escolhas e até a existência da mulher, especialmente dentro das relações afetivas. Outro fator central é a desigualdade econômica e social. Muitas mulheres permanecem em relações violentas por dependência financeira, ausência de rede de apoio, responsabilidade exclusiva pelos filhos e falta de alternativas concretas de moradia e trabalho. Essa vulnerabilidade dificulta o rompimento do vínculo com o agressor e aumenta o risco de violência extrema”.
Ela reforça que a sensação de impunidade também exerce papel decisivo no cenário pernambucano. “A lentidão das investigações e a falta de consequências imediatas para o agressor contribuem para a escalada da violência”.
À CNN, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS) informou, em nota, que o enfrentamento à violência contra a mulher e aos crimes de feminicídio é uma prioridade do Governo de Pernambuco. Segundo a pasta, “as forças de segurança atuam de forma integrada para prevenir novos casos, proteger as vítimas e fortalecer a capacidade de investigação e resposta rápida”, além de manter parceria permanente com a Secretaria da Mulher, ampliando ações conjuntas e fortalecendo toda a rede de proteção.
Atualmente, Pernambuco conta com 15 DEAMs (Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher), algumas com atendimento 24 horas, e outras delegacias com Sala Lilás, voltada para acolhimento humanizado. Segundo a SDS, a Patrulha Maria da Penha, reforçada nesta gestão, acompanhou 14.672 mulheres com Medidas Protetivas de Urgência desde 2023, realizando 63.084 diligências entre 2024 e 2025.
Somente em 2025, 3.802 novas mulheres passaram a ser acompanhadas, resultando em 20.725 atendimentos no período. As taxas de resolubilidade dos crimes de feminicídio foram de 97,6% em 2023, 98,7% em 2024 e 98,6% até outubro deste ano.
No entanto, para a advogada Fabiana Leite, “o enfrentamento do feminicídio exige muito mais do que leis penais. Requer mudança cultural, fortalecimento real da rede de proteção, políticas públicas intersetoriais e compromisso institucional com a vida das mulheres, para que essas mortes deixem de ser tratadas como estatísticas e passem a ser encaradas como falhas graves do Estado e da sociedade”, finaliza.
Denúncias podem ser feitas pelos números 181 ou 0800.081.5001, gratuitos e sigilosos, e em casos de emergência pelo 190. A Ouvidoria Estadual da Mulher atende pelo 0800.281.8187, além de registro online nos sites da SDS e da Ouvidoria do Governo de Pernambuco.
