Perceber os primeiros sinais de demência em um familiar nem sempre é simples. No início, as mudanças costumam ser discretas e muitas vezes são atribuídas ao “peso da idade”, ao cansaço ou até ao estresse.
No entanto, especialistas alertam: demência não é uma consequência natural do envelhecimento, mas uma doença que precisa ser reconhecida o quanto antes para garantir melhor qualidade de vida ao paciente e à família.
Segundo o clínico geral e geriatra Paulo Camiz, a demência tem prevalência de cerca de 1% entre pessoas a partir dos 60 anos. Esse número dobra a cada cinco anos e, após os 85, pode atingir entre 30% e 50% da população, dependendo da região.
“É totalmente diferente do envelhecimento normal. Demência nunca é algo esperado da idade. É uma doença”, reforça.
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Esquecimento comum ou sinal de alerta?
Para diferenciar lapsos normais de memória de um possível quadro demencial, Camiz explica que dois pontos são fundamentais. O primeiro é observar se houve uma piora clara em relação ao funcionamento anterior da pessoa, seja de forma abrupta ou gradual. O segundo é avaliar se essas falhas estão interferindo nas atividades do dia a dia.
“Quando a alteração de memória começa a impactar a vida prática da pessoa, isso é um sinal importante. Não é apenas esquecer um nome ou um compromisso isolado, mas perder a capacidade de realizar tarefas que antes eram simples”, afirma o geriatra.
Um dos sinais mais relevantes da demência é a perda de autonomia, diretamente ligada à funcionalidade. No início, costumam surgir dificuldades nas chamadas atividades instrumentais — aquelas mais complexas. Isso inclui problemas para falar ao telefone, administrar os próprios medicamentos, lidar com contas, realizar tarefas domésticas ou se orientar em lugares onde antes não se perdia.
Com a progressão da doença, a perda de autonomia se torna mais evidente e passa a atingir funções básicas, como higiene pessoal, uso do banheiro, alimentação e até a capacidade de andar. “Em fases mais avançadas, o cérebro já não consegue dar os comandos adequados para a locomoção”, explica Camiz.
Alterações de comportamento também chamam atenção
O neurologista Flávio Sekeff Sallem, do Hospital Japonês Santa Cruz, destaca que os primeiros sinais neurológicos da demência frequentemente passam despercebidos no convívio familiar. Pequenas falhas de memória recente, dificuldade para acompanhar uma conversa ou perder o fio de uma história são comuns no início.
“Também podem surgir alterações de comportamento, como irritabilidade, apatia ou perda de interesse por atividades que antes davam prazer. Muitas vezes, isso é interpretado apenas como mudança de humor”, explica.
Dificuldades para encontrar palavras, trocar nomes ou evitar conversas por frustração ao se expressar não devem ser ignoradas quando se tornam frequentes e progressivas. “Uma coisa é ‘dar um branco’ ocasionalmente. Outra é a pessoa passar a ter dificuldade constante para se comunicar”, alerta Sallem.

Desorientação e repetição de informações
Confusão com datas, horários e compromissos costuma aparecer nas fases iniciais. Já se perder em locais conhecidos tende a acontecer mais tarde, mas sempre exige investigação. Outro sinal típico é a repetição constante de perguntas ou histórias.
“Isso acontece porque a pessoa não consegue fixar novas informações. Ela pergunta, recebe a resposta e, minutos depois, pergunta de novo, como se nunca tivesse ouvido”, explica o neurologista.
Alterações no julgamento também merecem atenção. Decisões impulsivas, gastos fora do padrão ou comportamentos socialmente inadequados podem indicar comprometimento de áreas do cérebro responsáveis pelo controle do comportamento e pelo senso crítico.
Diferenciar demência de quadros como depressão ou ansiedade nem sempre é simples e exige avaliação médica. Segundo Sallem, na depressão, a própria pessoa costuma perceber e reclamar das falhas de memória, enquanto na demência, muitas vezes, quem nota os problemas são os familiares.
Além disso, os sintomas depressivos tendem a melhorar com tratamento, ao passo que os déficits cognitivos da demência geralmente progridem. As alterações de humor também podem acompanhar o processo demencial ou até funcionar como fator de risco para o desenvolvimento da doença no futuro, segundo Camiz.
Quando procurar ajuda médica
Diante de qualquer mudança persistente no comportamento, na memória ou na autonomia, a orientação é buscar avaliação médica o quanto antes. “Quanto mais cedo o problema for identificado, maior a chance de tratar causas reversíveis, retardar a progressão da doença e preservar neurônios”, afirma Camiz.
O diagnóstico começa com uma boa consulta clínica, testes de memória e atenção e exames de sangue para descartar causas tratáveis, como deficiências vitamínicas ou alterações hormonais. Exames de imagem, como a ressonância magnética do cérebro, e avaliações neuropsicológicas mais detalhadas também ajudam no diagnóstico precoce.
A prevenção passa por hábitos de vida saudáveis. “Tudo o que é bom para o coração é bom para o cérebro”, resume Camiz. Controlar pressão arterial, diabetes e colesterol, evitar o tabagismo, praticar atividade física regular e manter uma vida social ativa são medidas importantes.
Um ponto que tem ganhado destaque é o cuidado com os sentidos. Problemas de visão e, principalmente, de audição devem ser corrigidos. “Uma audição ruim, quando não tratada, aumenta muito o risco de demência. Usar aparelho auditivo quando indicado pode ter um impacto enorme na prevenção”, destaca o geriatra.
Identificar os sinais precoces de demência não muda apenas o curso da doença, mas também permite que a família se organize, planeje o futuro e ofereça mais segurança e qualidade de vida ao paciente. O olhar atento no dia a dia pode fazer toda a diferença.
Fonte: Metrópoles