O SERINGAL

Mutações de 3 genes aumentam em até 15 vezes o risco de TDAH, diz estudo

Mutações de 3 genes aumentam em até 15 vezes o risco de TDAH, diz estudo

Visto por décadas como um problema de comportamento — crianças rotuladas como indisciplinadas, preguiçosas ou simplesmente “difíceis” — o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é reconhecido atualmente como uma condição neuropsiquiátrica caracterizada por desatenção, impulsividade e hiperatividade.

Afetando cerca de 5% das crianças e 2,5% dos adultos no mundo inteiro, hoje já sabemos que o TDAH é altamente herdável, com milhares de variantes genéticas comuns. Embora numerosas, essas mudanças no DNA aumentam apenas ligeiramente a probabilidade de uma pessoa receber o diagnóstico.

Isso mudou em 2022, quando um grupo de pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, analisando uma população de cerca de 4,5 mil pessoas com TDAH, concluiu que variantes raras truncantes (que interrompem uma proteína no meio da formação) aumentam em até 15 vezes o risco de desenvolver o transtorno.

Agora, em um estudo publicado recentemente na revista Nature, a mesma equipe dobrou a amostra — para 8.895 pessoas com TDAH e 53.780 indivíduos controle — e conseguiu identificar três genes específicos que contêm variantes raras associadas ao transtorno: MAP1A, ANO8 e ANK2.

Quando presentes, essas variantes raras comprometem proteínas essenciais nos neurônios cerebrais. O dano é duplo: os neurônios se desenvolvem de forma inadequada e a comunicação química entre eles falha, comprometendo especialmente circuitos dopaminérgicos cruciais para atenção e controle executivo.

Variantes raras que afetam diagnóstico e prognóstico do TDAH


ilustração3D-de-pessoa-com-dor-de-cabeça
Variantes em MAP1A, ANO8 e ANK2 causam TDAH por afetar a “fiação interna” e a “comunicação elétrica” dos neurônios • kjpargeter/Freepik

Em sua metodologia, os pesquisadores combinaram duas informações: quais genes estão mutados nas pessoas com TDAH e onde esses genes trabalham no cérebro. Descobriram que as variantes raras afetam principalmente dois tipos de neurônios – os que usam dopamina e os que usam GABA para se comunicar.

Essas células do sistema nervoso regulam funções essenciais como atenção, controle de impulsos e motivação. O problema — que começa no útero, durante a formação do cérebro — continua pela vida toda, o que explica por que o TDAH é uma condição do neurodesenvolvimento que persiste na idade adulta.

Em um comunicado, a primeira autora do estudo, Ditte Demontis, explica: “Nossos achados reforçam que perturbações no desenvolvimento e funcionamento cerebral são centrais para o TDAH”. Ou seja, os sintomas que as pessoas veem externamente têm uma causa biológica real e mensurável no funcionamento cerebral.

Além das proteínas codificadas pelos três genes do TDAH, a equipe identificou outras que interagem com elas, “formando uma rede maior também envolvida em autismo e esquizofrenia. Isso esclarece vínculos biológicos entre diferentes diagnósticos psiquiátricos”, acrescenta Demontis.

Essas variantes genéticas raras acabam gerando um impacto duplo: aumentam muito o risco de a pessoa ter TDAH (de 5 a 15 vezes mais); e, entre aquelas que já têm o transtorno, as que carregam essas variantes apresentam ainda mais dificuldades, como QI um pouco menor, menos anos de estudo, empregos piores e salários mais baixos.

Implicações científicas das novas variantes de alto impacto


Conhecer as bases genéticas específicas envolvidas no TDAH pode direcionar tratamentos para as causas do transtorno • Freepik

O grande diferencial deste estudo é que, pela primeira vez, pesquisadores identificaram genes causais específicos com variantes de alto impacto. O “endereço” exato de MAP1A, ANO8 e ANK2 no DNA representa, na prática, um foco para examinar o funcionamento de suas proteínas e o que pode estar dando errado no TDAH.

Coautor sênior da pesquisa, Anders Børglum comemora: “O estudo fornece direção concreta para mapear mecanismos biológicos envolvidos no TDAH, porque agora conhecemos genes causais com variantes de alto efeito”, explica o geneticista em um comunicado.

Embora possa ser considerado um marco na ciência da saúde, o trabalho é apenas o marco inicial da identificação de variantes raras de alto efeito, explica a coautora Jinjie Duan. O estudo atual já aponta 17 genes adicionais com variantes provavelmente causais, que poderão ser identificadas em futuras pesquisas.

Compreender as bases genéticas específicas pode revolucionar abordagens terapêuticas. Em linguagem simples, se variantes em MAP1A, ANO8 e ANK2 causam TDAH por afetar a “fiação interna” e a “comunicação elétrica” dos neurônios, futuros tratamentos poderiam compensar essas deficiências moleculares.

Não menos importante, os achados validam cientificamente a natureza neurobiológica do transtorno, combatendo estigmas persistentes. O trabalho demonstra que, na realidade, TDAH não é uma questão de indisciplina ou má-criação, mas de um mau funcionamento biológico concreto.

TDAH aumenta risco de problemas de saúde mental, diz estudo

Sair da versão mobile