O STF (Supremo Tribunal Federal) evitou que a União tivesse de devolver cerca de R$ 50 bilhões a empresas e manteve uma arrecadação estimada em R$ 10 bilhões por ano ao validar a ampliação da incidência da Cide-Tecnologia sobre remessas ao exterior.
A decisão tem efeito imediato nas contas públicas. A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) estimava impacto de R$ 19,6 bilhões, mas cálculos da Receita Federal indicavam que o valor poderia chegar a mais que o dobro.
Com o julgamento, o governo não precisará mais reservar nenhum desses montantes no orçamento do próximo ano, já que o risco foi afastado.
A contribuição foi criada em 2000 para financiar programas de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, com arrecadação destinada integralmente à área de ciência e tecnologia.
Entre 2001 e 2007 foram feitas alterações que permitiram a ampliação do tributo para incidir também sobre remessas de royalties, direitos autorais e serviços técnicos, mesmo sem relação direta com importação de tecnologia.
A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário 928943 (Tema 914) e manteve a cobrança sobre valores enviados pela Scania Latin America à matriz na Suécia, referentes a um contrato de compartilhamento de custos para pesquisa e desenvolvimento.
A PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) explicou que o resultado não representa, na prática, um aumento imediato de carga tributária, mas mantém um tributo vigente há 25 anos e apenas reconheceu que a lei que regulamenta esse tributo é “totalmente constitucional”.
“A decisão do STF garantiu a manutenção integral da política de fomento à ciência e tecnologia no Brasil. Uma política que tenta reduzir a distorção do país enquanto exportador de commodities e importador de tecnologias. Isso tem impacto em várias questões, desde a balança comercial até na soberania nacional”, diz o texto da pasta.
A maioria das grandes empresas, especialmente as auditadas pelas “big four” (PwC, Deloitte, KPMG e EY), já recolhe a contribuição regularmente.
Segundo fontes do setor ouvidas pela reportagem, a ampliação da incidência também foi acompanhada da redução de outros tributos, como o imposto de renda retido na fonte sobre remessas, compensando parte do custo.
As ações judiciais mantidas pelas empresas eram estratégicas, para resguardar o direito caso o STF declarasse a cobrança inconstitucional.
Com a decisão, a União evita a devolução de valores e mantém a arrecadação, e o efeito maior recai sobre empresas que tinham decisões judiciais suspendendo o recolhimento, que agora podem ter de pagar retroativamente.
Para a presidente da P&D Brasil (Associação de Empresas de Desenvolvimento Tecnológico Nacional e Inovação), Rosilda Prates, a decisão representa uma importante medida que confirma a soberania nacional.
Impacto no setor de tecnologia
O entendimento do STF atinge operações típicas de setores que realizam pagamentos por licenciamento de software, uso de direitos autorais e contratação de serviços técnicos de empresas no exterior.
A PGFN afirmou que a lei que regula a contribuição está vigente há 25 anos e que “o normal é que as empresas cujas operações são sujeitas à tributação tenham pago a contribuição e, caso não tenham pago, poderão ser regularmente cobradas.” O órgão reforça que não se cogita devolução de valores pelas empresas.
Sobre contratos de cost sharing, a PGFN explicou que a incidência do tributo foi validada pelo STF e poderá abranger as operações quando o serviço for prestado por empresa domiciliada no exterior.
Em relação a possíveis normas para evitar litígios, o órgão destacou que “a decisão do STF reconheceu a lógica de que a incidência não precisa ocorrer sobre operações que envolvam tecnologia, desde que os recursos arrecadados pelo tributo se destinem ao fomento de ciência e tecnologia.”
O conceito moderno de tecnologia, segundo a PGFN, está mais ligado a saber-fazer e serviços do que a aspectos materiais, o que foi superado pelo julgamento desta semana.
A tese de repercussão geral fixada pelo STF determina que a Cide-Tecnologia é constitucional, incluindo as alterações de 2001 e 2007, e que toda a arrecadação deve ser aplicada integralmente em ciência e tecnologia, como prevê a lei.
A CNN procurou a Scania que não retornou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.