A mais nova reserva natural da China é uma rocha no meio de uma das hidrovias mais disputadas do mundo.
Na semana passada, o governo chinês aprovou uma proposta para estabelecer uma reserva natural nacional em Scarborough Shoal, um recife altamente disputado no Mar da China Meridional. A medida sem precedentes desencadeou novas discordâncias com as Filipinas, país que também briga pela região.
A reserva abrangerá mais de 3.500 hectares na Ilha Huangyan, nome chinês para Scarborough Shoal, tendo seu ecossistema de recifes de corais como principal alvo de proteção, de acordo com a Administração Nacional de Florestas e Pastagens da China.
A medida gerou fortes protestos nas Filipinas e marca um novo passo nos esforços da China para reforçar suas reivindicações territoriais no Mar da China Meridional, uma hidrovia estratégica e rica em recursos por onde transita mais de 60% do comércio marítimo global.
A China reivindica quase todo o Mar da China Meridional, incluindo áreas a centenas de quilômetros de seu continente, apesar de uma decisão internacional de 2016 contra essa reivindicação.
As Filipinas emitirão um protesto diplomático formal sobre a reserva, informou o Ministério das Relações Exteriores do país, em um comunicado da semana passada. O governo filipino ainda classifica a ação da China como “ilegítima e ilegal” e acusa o país de infringir os direitos e interesses de Manila.
O documento afirmou que as Filipinas têm soberania e jurisdição sobre o banco de areia no Mar da China Meridional, que chamam de Bajo de Masinloc, o descrevendo como uma “parte integrante e duradoura” das Filipinas.
O Ministério das Relações Exteriores da China reagiu, afirmando rejeitar as “acusações infundadas e os chamados protestos” das Filipinas e incitando o país a cessar as “provocações e exageros”.
Localização da reserva natural e tensão com as Filipinas
Localizado a 200 km das Filipinas, o Scarborough Shoal fica na zona econômica exclusiva das Filipinas e há muito tempo é um ponto de conflito entre Pequim e Manila.
A cadeia triangular de recifes e rochas é cobiçada por sua localização estratégica, abundantes estoques de peixes e seu papel como santuário para barcos durante tempestades.
A China tomou o atol desabitado – a 870 km de sua província mais ao sul, Hainan – em 2012, após um longo impasse com a Marinha das Filipinas, e mantém uma presença quase constante da guarda costeira nas águas próximas desde então.
Nos últimos anos, a China intensificou as patrulhas, impedindo os pescadores filipinos de acessarem as áreas de pesca tradicionais.
A tensão atingiu o ápice em agosto, quando um navio contratorpedeiro da Marinha chinesa colidiu dramaticamente com um navio da Guarda Costeira da China e danificou gravemente a proa enquanto perseguia um navio de patrulha filipino perto de Scarborough Shoal – uma colisão que evidenciou o perigo dos confrontos cada vez mais frequentes e violentos entre os dois lados.
As Filipinas são aliadas de defesa mútua dos Estados Unidos, o que significa que confrontos sérios entre Pequim e Manila podem rapidamente se transformar em algo que envolva o exército americano na briga.
Em um comunicado, o gabinete chinês, o Conselho de Estado, classificou a criação da reserva natural como “uma garantia importante para a manutenção da diversidade, estabilidade e sustentabilidade do ecossistema natural da Ilha Huangyan”.
A organização também solicitou uma fiscalização mais rigorosa contra “atividades ilegais” na reserva.
Narrativa chinesa de proteção aos ecossistemas
Especialistas chineses saudaram a medida como um passo importante na defesa da soberania territorial da China e sinalizaram que ela poderia estabelecer um precedente para outras características marítimas no Mar da China Meridional, de acordo com relatos da mídia estatal.
Um mapa divulgado pelo governo chinês mostra toda a borda nordeste do atol designada como reserva, que consiste em uma “zona central” ladeada por duas “zonas experimentais”.
Segundo a lei chinesa, uma zona central é estritamente proibida, enquanto uma zona experimental permite pesquisa científica, atividades educacionais e turismo. A construção é proibida nas zonas centrais, mas permitida nas zonas experimentais. Estrangeiros precisam obter autorização das autoridades chinesas para entrar em qualquer reserva.
Ding Duo, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos do Mar da China Meridional, disse ao jornal chinês Global Times que a decisão de estabelecer uma reserva natural é uma “forte refutação” às acusações de que a China prejudicou o meio ambiente marinho do Mar da China Meridional.
A narrativa chinesa de que planeja proteger ecossistemas frágeis no Mar da China Meridional provavelmente causará surpresa entre vizinhos e conservacionistas, visto que os anos de construção de ilhas por Pequim nas águas disputadas causaram danos ambientais significativos.
O Conselheiro de Segurança Nacional das Filipinas, Eduardo Año, afirmou que a medida da China visa “menos proteger o meio ambiente e mais justificar seu controle” sobre o recurso marítimo.
“A ironia é clara: desde 2016, evidências mostram a captura em larga escala de espécies ameaçadas de extinção e a destruição de recifes por pescadores chineses”, disse ele em um comunicado. “Afirmar agora a administração de um ecossistema que eles próprios danificaram é contraditório e enganoso.”
Um relatório de 2023 do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) afirmou que a China soterrou cerca de 1.800 hectares de recifes por meio de dragagem e aterro para a construção de ilhas artificiais. Além disso, a pesca de mariscos gigantes na China danificou cerca de 7.500 hectares de recifes de corais, segundo o relatório.
Grande parte das construções chinesas concentrou-se nas Ilhas Paracel e Spratly, e a China não construiu nenhuma instalação em Scarborough Shoal, de acordo com o CSIS.
As Filipinas também acusaram a obscura milícia marítima chinesa de destruir recifes de corais no Mar da China Meridional. A China rejeitou a acusação e acusou as Filipinas de danificar o ecossistema de recifes de corais na hidrovia.