Autismo profundo: entenda a polêmica que quer separar transtorno grave

A definição de autismo passou por transformações nas últimas décadas. Antes restrita a casos graves, desde 2004 as classificações internacionais de doenças têm sido modificadas para usar o termo espectro autista (TEA) como um guarda-chuva que abarca desde casos de comprometimentos mais leves aos mais severos.

Antes, havia uma série de transtornos que não eram classificados como autismo, como a síndrome de Asperger, já que alguns critérios, como a deficiência intelectual e o comprometimento da capacidade comunicativa eram obrigatórios para diagnosticar um paciente como autista. Porém, as limitações de identificar estas características quando se analisava caso a caso levaram o diagnóstico a ser unificado em um espectro baseado na necessidade de suporte.

Mas a inclusão de diferentes níveis de comprometimento sobre um critério amplo nem sempre foi pacífica. Profissionais de saúde têm publicado estudos sobre como a expansão pode ter invisibilizado pessoas com comprometimentos mais severos.

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Existe o autismo severo, grave ou profundo?

Um relatório da The Lancet Comission, divulgado em 2021, reuniu estudos que comprovaram que é cada vez menos frequente a participação de pessoas com autismo nível 3 em pesquisas para tratamentos e terapias contra o transtorno. Entre 1991 a 2013, a proporção de estudos de tratamento que incluíam participantes com autismo grave caiu de 95% para 35%.

Em uma iniciativas para que pessoas com necessidade de suporte alta voltassem a ser representadas, a proposta definida na The Lancet, é de considerar como “autista profundo” (frequentemente traduzido como severo ou grave) todos aqueles que sejam não-verbais e/ou tenham comprometimento cognitivo que os deixe em uma pontuação abaixo de 55 em testes de QI.

Esta definição é usada apenas por parte da comunidade médica. Na última reunião da Sociedade Internacional para Pesquisa do Autismo (Insar), realizada em abril nos Estados Unidos, um estudo revelou que não se chegou a um consenso sobre se estes seriam os melhores critérios. A ideia do QI como referência tem a maior adesão, mas é apoiada por apenas 68% dos profissionais.

“Dentro do espectro, todos precisam ter atendimento. A ausência de diagnóstico do transtorno de autismo e a falta de suporte podem causar mais dificuldades em todos os âmbitos da vida, desencadeando problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Mas há, claro, casos de comprometimentos maiores e mais visíveis a depender de cada paciente”, explica a psicóloga Letícia Catarina, da Pró-Saúde.

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No início de outubro, o jornal New York Times (NYT) reuniu associações de pais e de médicos que defendem a ideia do “autismo profundo” como classe separada. Parte de médicos e familiares de pessoas com deficiências severas passou a argumentar que o termo “transtorno do espectro autista” é amplo demais. Segundo eles, isso teria apagado a experiência das pessoas com maiores limitações.

Muitos dos pesquisadores que participaram dos painéis do Insar, porém, afirmam em suas pesquisas que é preciso ter políticas públicas e de cuidado melhor definidas para o público com comprometimento mais severo.

“Uma divisão pode orientar intervenções mais personalizadas e medições precisas. Uma abordagem refinada para definir como poderíamos fazer essa divisão aprimoraria as intervenções para essa população com altas necessidades”, afirma a neurologista Christine Wu Nordahl, da Universidade da Califórnia em Davis, em seu texto.

Críticas à nova divisão do autismo

No mesmo evento, porém, pesquisas mostraram que o termo autismo profundo é o “mais rejeitado” por pais de autistas ao lado da ideia de “transtorno” e “condição” para se referir ao espectro.

Os pesquisadores que se opõem à ideia argumentam que dividir novamente o espectro é um retrocesso e pode reforçar estigmas. Para eles, a criação do conceito de espectro foi justamente um avanço para incluir todos os perfis dentro de uma mesma condição neurológica.

“O termo pode carregar conotações que atualmente e, felizmente, têm sido criticadas, como capacitistas. Mesmo dizer que uma pessoa é nível um, dois ou três é muito inflexível dentro das tantas variações que o autismo pode acarretar. Uma visão determinista poderia fazer pensar que alguém com grau mais alto não é nem um pouco funcional e é um problema”, aponta a psicóloga Lívia Bomfim,especialista em análise do comportamento aplicada ao autismo da Genial Care.

Para eles, a ideia de níveis 1, 2 e 3, que indicam o grau de suporte necessário, já tornam as necessidades especiais de alguns pacientes mais claras. Os críticos alertam também para riscos éticos. Há o temor de que o novo rótulo legitime práticas de segregação e institucionalização, historicamente associadas a pessoas com deficiências graves.

Imagem de diagrama de Venn que mostra os sinais de autismo, altas habilitadades e TDAH - MetrópolesQuadro mostra diferenças entre alguns transtornos neurológicos

Em entrevista ao NYT, o psiquiatra Allen Frances, que liderou a revisão anterior do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), afirmou considerar ter tomado uma boa decisão ao cunhar a ideia de espectro, embora tenha dito que a ampliação trouxe efeitos inesperados, como o aumento expressivo de diagnósticos e a confusão atual sobre o que constitui autismo.

“Temos parte da culpa, porque não previmos o boom de diagnósticos”, disse o especialista. Em 2023, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência de saúde dos EUA, apontou que uma em cada 36 crianças foram diagnosticadas com TEA no ano. Em 2004, o número era de um diagnóstico a cada 166 crianças. Em 2012, subiu para um a cada 88 e em 2020, a prevalência já estava em um para 54.

Este aumento de casos tem sido usados até por grupos negacionistas para espalhar falsas teorias, como a de que o Tylenol ou a vacinação de crianças seja responsável pelo aumento de diagnósticos. Enquanto o debate avança em conferências e publicações científicas, cresce o consenso de que é preciso ampliar a inclusão de pessoas com necessidades intensas de suporte sem aumentar o estigma. No centro do debate, estão milhões de pessoas cujas experiências desafiam rótulos fixos e pedem, antes de tudo, reconhecimento.

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Fonte: Metrópoles

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