Quando o sol de Brasília incide sobre o concreto branco do Parque da Cidade Sarah Kubitschek, o que se vê vai além de manobras e medalhas. O que ocorre ali é um movimento. O paraskate brasileiro, nascido da junção entre paixão e resistência, se prepara para um dos capítulos mais simbólicos de sua história: a final da modalidade no STU National – Street Finals, marcada para este domingo (26/10), às 14h.
Mas, por trás das voltas, aplausos e quedas, há algo ainda maior em jogo: o sonho de ver o skate adaptado reconhecido oficialmente como esporte paralímpico.
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O Brasil é hoje a principal força do paraskate mundial, não apenas pelo talento de seus atletas, mas também pela organização que os próprios competidores criaram para existir.
Com três anos de existência, a Associação Brasileira de Paraskate (ABPSK) transformou um grupo disperso de skatistas em uma comunidade estruturada, com campeonatos, cadernos técnicos e uma luta clara: regulamentar a modalidade e garantir a inclusão do esporte nos Jogos Paralímpicos até 2032.
“Hoje, somos mais de 60 atletas afiliados, 30 deles de alto desempenho. Trabalhamos com duas frentes: a social, que insere pessoas com deficiência no esporte, e a do alto rendimento, que organiza campeonatos e forma novos talentos”, explica Vini Sardi, presidente da ABPSK e uma das vozes mais ativas na cena global do skate adaptado.
Segundo ele, “o nosso trabalho é construir um modelo que o mundo ainda não tem. Somos pioneiros e queremos exportar esse formato para outros países.”

Um sonho global
Enquanto o skate tradicional conquistava o status olímpico em Tóquio 2021, o paraskate seguia seu caminho silencioso, mas constante.
As exigências para inclusão em uma Paralimpíada são duras: é preciso que a modalidade tenha um número mínimo de atletas competitivos em vários continentes e regras unificadas para as chamadas classificações funcionais que agrupam competidores com deficiências semelhantes.
“Hoje, temos atletas cegos, com amputações, com deficiências de mobilidade ou de membros superiores. É uma mistura bonita, mas que ainda não se encaixa totalmente nas regras do Comitê Paralímpico Internacional”, explica Tony Alves, um dos principais nomes da modalidade.
“O caminho é longo: precisamos aumentar o número de atletas no mundo e organizar as categorias por tipo de deficiência. Só assim o Comitê vai reconhecer o Paraskate como esporte paralímpico.”
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Segundo Vini, o Brasil e os Estados Unidos são os países mais avançados nesse processo. “Temos previsão de fazer uma demonstração oficial nos Jogos de Los Angeles, em 2028. A inclusão completa pode acontecer em Brisbane, 2032, na Austrália. O trabalho começou”, conta.
Enquanto isso, os campeonatos nacionais seguem multiplicando histórias. O Paraskate Tour, criado pelo próprio Vini, teve edições em São Paulo e Recife, reunindo mais de 40 competidores e sediando a primeira bateria de deficientes visuais do mundo.
“Foi histórico”, lembra. “Ali a gente entendeu que o skate adaptado não é só sobre inclusão, é sobre potência, sobre identidade”, completa.
Quem enxerga com o corpo
Entre os que transformam essa potência em símbolo está Léo Almeida, skatista cego que se tornou o primeiro paraskatista do mundo a competir em uma prova profissional com atletas sem deficiência.
“Participei de um campeonato com 87 skatistas e fiquei em quadragésimo”, lembra, sorrindo. “Fui o primeiro cego a descer Big Rails, os maiores corrimões do skate. Sofri hate, gente dizendo que eu fingia deficiência para chamar atenção. Mas quem me conhece sabe. Eu não estou aqui por pena, estou por paixão.”

De Brasília para Porto Alegre, Léo levou o skate como bandeira e formou a própria escola de paraskatistas visuais. “Já temos quatro atletas cegos treinando comigo. Quero montar a primeira categoria só de deficientes visuais do mundo. O skate é minha forma de enxergar”, afirma.
No capacete, uma frase pintada à mão resume sua filosofia:
“Os limites são a gente mesmo que impõe.”
Léo Almeida, skatista cego
O skate salva e transforma
Para Tony Alves, o skate é uma metáfora viva da superação.
“O esporte salva vidas. Ele reabilita o corpo e resgata a autoestima. Tudo o que tenho hoje — meus amigos, minha saúde, minha coragem — veio do skate. Quando a gente cai, levanta. Quando erra, tenta de novo. Isso é o que a vida pede também.”

Vini completa: “A maioria de nós só começou porque viu alguém parecido andando. Representatividade salva. Quando alguém com deficiência vê outro corpo como o seu subindo numa prancha, entende que pode também. E o esporte muda tudo cria metas, sonhos, um novo círculo social. Salvou a minha vida.”
O Brasil à frente do mundo
O modelo brasileiro de organização impressiona. Em três anos, a ABPSK estruturou regulamentos, treinamentos, rankings e competições que inspiram outros continentes. Há conversas com federações da Rússia, dos Estados Unidos, da Espanha e do Japão, e países começam a replicar o formato nacional.
“O Brasil é o coração do paraskate mundial”, diz Vini. “A gente não espera o mundo fazer. A gente faz, e o mundo exporta para o mundo”, celebra.
Hoje, enquanto o público de Brasília se prepara para assistir à final, às 14h, os paraskatistas se aquecem em uma pista que simboliza mais do que concreto: simboliza pertencimento. Cada queda, cada risada e cada manobra é um manifesto.
O skate nasceu da rua, mas o paraskate surgiu da coragem. E é essa coragem invisível para quem não vive a deficiência, mas palpável em cada descida, em cada respiração que agora ganha o mundo.
E, como está escrito no capacete de Léo Almeida, o futuro é de quem não impõe fronteiras: “Os limites são a gente mesmo que impõe.”
Fonte: Metrópoles
