A população do Equador vai mais uma vez às urnas neste domingo (16), em um momento de grande polarização e tensão social. Um total de 13,9 milhões de pessoas estão aptas a votar.
Desta vez, os equatorianos participarão de um novo referendo e consulta popular que abordará, entre outros temas, a instalação de bases militares estrangeiras, a elaboração de uma nova Constituição e reformas políticas.
Essa é a estratégia do presidente Daniel Noboa para combater a crise de segurança e violência que assola o país sul-americano.
A cédula elaborada pelo Conselho Nacional Eleitoral conterá quatro perguntas para as quais os cidadãos deverão responder “Sim” ou “Não”.
O texto da cédula será dividido em três perguntas de referendo, que envolvem alterações na Constituição, e uma pergunta para consulta popular, por se tratar de assunto de interesse nacional.
Mas caso Noboa consiga a aprovação das propostas, serão necessários procedimentos adicionais para sua plena implementação.
O Tribunal Constitucional será o órgão responsável por fiscalizar o cumprimento da vontade popular.
Bases militares estrangeiras
Neste tópico, será feita a seguinte pergunta: “Você concorda com a eliminação da proibição de estabelecer bases militares estrangeiras ou instalações estrangeiras para fins militares, e com a cessão de bases militares nacionais a Forças Armadas ou Forças de Segurança estrangeiras, por meio de uma emenda parcial à Constituição?”
A primeira questão do referendo pode representar um ponto de virada na estratégia de segurança do governo Daniel Noboa.
Isso porque o Equador mantém a proibição de bases militares estrangeiras desde a Constituição de 2008.
O governo equatoriano chamou a atenção dos Estados Unidos ao demonstrar o desejo de estabelecer permanentemente uma base ou infraestrutura para fins militares.
No entanto, a proposta gerou opiniões divergentes com base em questões de cooperação, soberania e a incapacidade do país de aprimorar seus recursos para o controle do narcotráfico e o combate entre grupos criminosos considerados terroristas pelo governo.
Essa questão surge em um momento crucial para a segurança no Equador, visto que a Polícia Nacional informou à CNN que 2025 deverá ser o ano mais violento de sua história, já tendo ultrapassado 7 mil homicídios em todo o país até o momento.
Além disso, há dúvidas sobre se a abordagem “tolerância zero” do governo tem produzido resultados.
O relatório mais recente do International Crisis Group sobre o Equador, divulgado na semana passada, afirma que a militarização das ruas e prisões não reduziu o fluxo de drogas que saem dos portos equatorianos, nem conseguiu conter as guerras territoriais entre os grupos criminosos que se reagruparam.
O documento também diz que o recrutamento de jovens para gangues não foi contido e considera que as operações realizadas pelas forças de segurança para controlar as zonas de conflito obtiveram apenas resultados passageiros.
“Os resultados de sua estratégia têm sido inconsistentes e de curta duração (…) A forma abrupta como as forças de segurança se retiram permite que as gangues se reagrupem”, argumenta o Crisis Group.
Caso essa questão seja aprovada no referendo, o Equador e países interessados, como os Estados Unidos, terão que submeter a proposta à aprovação interna em diversas instâncias e assinar novos acordos que permitam a atuação de militares estrangeiros em uma base permanente.
Fim do financiamento estatal para partidos políticos
Neste tópico, será feita a seguinte pergunta: “Você concorda com a eliminação da obrigação do Estado de destinar recursos do Orçamento Geral do Estado a organizações políticas por meio de uma emenda parcial à Constituição?”
Há vários anos, no Equador, partidos e movimentos políticos recebem financiamento do FPP (Fundo Permanente de Partidos) para treinamento, publicações, capacitação e atividades de pesquisa.
Esse dinheiro é alocado pelo Conselho Nacional Eleitoral por meio do Orçamento Geral do Estado e tem sido alvo de críticas quando seu propósito original é desviado.
É importante ressaltar que nem todos os grupos políticos recebem financiamento do FPP, mas apenas aqueles que atendem a pelo menos um dos requisitos, como:
- ter obtido 4% dos votos válidos em duas eleições plurinominais consecutivas em todo o país;
- ter pelo menos três representantes na Assembleia Nacional;
- 8% das prefeituras;
- ou pelo menos um vereador em cada um de pelo menos 10% dos cantões do país;
Essa reforma constitucional obrigaria os partidos políticos a buscar contribuições de seus integrantes e apoiadores por conta própria.
Jorge Tapia, coordenador de Democracia e Política da Fundação Cidadania e Desenvolvimento, disse à FM Mundo, afiliada da CNN, que 11 organizações políticas recebem atualmente financiamento permanente de partidos políticos.
Ele disse, ainda, que há dificuldades em fornecer informações contábeis em seus relatórios de receitas e despesas.
“Há um grande problema com o uso de recursos públicos. Não há clareza sobre como esses fundos estão sendo alocados quando os requisitos legais não são cumpridos”, afirmou Tapia.
No entanto, Carlos Aguinaga, ex-presidente do Tribunal Supremo Eleitoral equatoriano, sustenta que “a democracia exige financiamento” e que as condições para a igualdade seriam perdidas.
“Agora, os grandes atores realmente controlarão os partidos, porque será muito difícil para eles competirem sem recursos do Estado”, explicou Aguinaga à Ecuavisa.
Se esta proposta for aprovada, o Estado não terá mais essa obrigação financeira com os partidos e movimentos políticos, mas o fundo estatal destinado ao financiamento de futuras campanhas eleitorais, chamado Fundo de Promoção Eleitoral, permanecerá.
Redução do número de integrantes da Assembleia de 151 para 73
Neste tópico, será feita a seguinte pergunta: “Você concorda com a redução do número de membros da Assembleia e sua eleição conforme os seguintes critérios: 10 membros da Assembleia Nacional; 1 membro da Assembleia eleito por cada província; e 1 membro adicional da Assembleia Provincial para cada 400 mil habitantes, segundo o último censo nacional?”
A proposta implica uma redução significativa no número de integrantes da Assembleia do país, de 151 para 73 legisladores, segundo um novo cálculo aprovado pelo Tribunal Constitucional durante sua revisão e análise das questões levantadas por Noboa.
O debate em torno dessa questão tem se concentrado em saber se isso melhorará a qualidade daqueles que são escolhidos para a Assembleia e a elaboração de reformas e novas leis.
Para Santiago Basabe, cientista político e professor da Universidade de San Francisco de Quito, reduzir o número de integrantes da Assembleia “seria um golpe muito sério para a já fragilizada democracia equatoriana”.
“Reduzir o número de membros da Assembleia não gerará qualquer tipo de mudança. Pelo contrário, com menos rostos visíveis na Assembleia Nacional, seu desempenho lamentável ficará ainda mais evidente para o público”, escreveu Basabe em sua coluna no jornal Primicias.
Mas o partido governista e o próprio presidente Noboa estão promovendo a ideia de que essa medida gerará economia para o Estado, melhorará o processo de seleção de candidatos políticos e priorizará a qualidade em detrimento da quantidade no legislativo.
Assembleia Constituinte está em um momento crítico
Neste tópico, será feita a seguinte pergunta: “Concorda que uma Assembleia Constituinte deve ser convocada e instalada, cujos representantes seriam eleitos pelo povo equatoriano, segundo as regras eleitorais estabelecidas no Estatuto Constituinte anexo, para elaborar uma nova Constituição da República, que só entrará em vigor se posteriormente aprovada pelo povo equatoriano em referendo?”
A proposta de criação de uma Assembleia Constituinte tem sido descrita por diversos analistas como a “joia da coroa” da votação deste domingo, pois é nela que as reformas em diferentes áreas podem ser definidas ou a estrutura do Estado redefinida com um novo texto constitucional.
O presidente Noboa argumentou que uma nova Assembleia Constituinte, composta por 80 legisladores, poderá propor mudanças na previdência social, oferecer mais alternativas para o combate ao crime, revisar as funções do Tribunal Constitucional e do Conselho de Participação Cidadã, e reduzir substancialmente o número de artigos da Constituição de 444 para 180.
Embora as reformas específicas a serem implementadas ainda não estejam claras, a assembleia servirá, sem dúvida, como plataforma para que os apoiadores do ex-presidente Correa e do ex-presidente Noboa testem novamente sua força.
De toda forma, muitos cidadãos também acreditam que uma Assembleia Constituinte poderá se tornar um “cheque em branco” para o governo, particularmente em seus esforços para limitar o poder do Tribunal Constitucional, que, durante o governo Noboa, tem sido seu principal apoio contra possíveis abusos e o tem chamado repetidamente a prestar contas de suas funções e poderes após a declaração de conflito armado interno em janeiro de 2024.
Se esta proposta for aprovada, o país terá que voltar às urnas mais duas vezes: Primeiro, eleger os 80 integrantes da Assembleia Constituinte e, em seguida, aprovar ou rejeitar a nova proposta de Constituição.
Especialistas estimam que esse processo possa durar pelo menos um ano.
Esta é a segunda vez que Noboa decide consultar a população sobre reformas e mudanças legais para avançar sua agenda política.
A última vez foi em abril de 2024, quando obteve aprovação para 9 das 11 questões relativas às reformas legais.
