A instabilidade política e a violência que assolam o Haiti desde 2021 não mostram sinais de melhora e podem até piorar em 2026.
Essa é a perspectiva apresentada no relatório mais recente da organização não governamental IRC (Comitê Internacional de Resgate), que alerta que mais da metade da população do país corre o risco de ser assassinada, sofrer violência sexual, ser recrutada à força, ser deslocada ou passar fome no próximo ano.
O relatório, publicado na terça-feira (16), classifica o Haiti em quinto lugar entre os países que enfrentam diversas emergências em todo o mundo, atrás apenas do Sudão, da Palestina, do Sudão do Sul e da Etiópia.
Na análise, o IRC avalia variáveis como o estado da democracia, a criminalidade e os mercados ilegais.
A organização conclui que, desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho de 2021, o Haiti tem vivenciado uma instabilidade política constante que o Conselho Presidencial de Transição não conseguiu resolver.
Segundo o relatório, gangues têm se aproveitado dessa situação para ganhar terreno, e atualmente 54% da população haitiana — 6,4 milhões de pessoas — vive em situação de vulnerabilidade e necessita de assistência humanitária.
“O caos político que se seguiu ao assassinato do presidente Jovenel Moïse deixou o país sem governança e segurança efetivas. Gangues armadas conseguiram tomar o controle de quase toda a capital, Porto Príncipe, e agora estão expandindo suas operações para o norte e o oeste”, afirma o documento.
“As tentativas de restaurar a ordem, com apoio internacional, têm falhado consistentemente, e o mandato do Conselho Presidencial de Transição, que atualmente governa o Haiti, permanecerá em vigor até fevereiro de 2026, deixando um vácuo que as gangues podem explorar”, acrescenta o relatório.
A CNN entrou em contato com o Conselho Presidencial de Transição para comentar as conclusões do relatório e aguarda resposta.
Gangues mais fortes e disseminadas
A atividade de gangues no Haiti se intensificou em 2025, de acordo com o IRC. O relatório observa que aproximadamente 800 pessoas foram mortas nos primeiros nove meses do ano, mais do que o dobro do número de mortos durante o mesmo período de 2024.
Além disso, as gangues estão realizando sequestros e extorsões para aumentar os lucros, bem como atos de violência sexual e recrutamento forçado, particularmente de menores.
Segundo o relatório, os casos de recrutamento forçado aumentaram 700% nos primeiros três meses de 2024 para os primeiros três meses de 2025.
“Esse crescimento explosivo é um sinal de atividade de gangues e de aumento do perigo para mulheres e crianças em 2026”, afirma o documento.
Analistas consultados pela CNN e outros relatórios recentes também alertam para o papel significativo das gangues no Haiti.
Na semana passada, um relatório do ACLED (Armed Conflict Event Location and Data Project) indicou que a violência de gangues coloca o Haiti em oitavo lugar entre os lugares mais perigosos do mundo.
Para combatê-los, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, em outubro, a criação de uma nova força internacional para reprimi-los. No entanto, um relatório recente do IRC questiona a sua eficácia, argumentando que esforços semelhantes fracassaram.
“Esta nova intervenção poderá mesmo desencadear novos níveis de violência, uma vez que civis ficam apanhados no fogo cruzado entre gangues e forças de segurança”, afirma o relatório.

Violência deslocou 10% da população do Haiti
Segundo o relatório, outros efeitos da expansão das gangues no Haiti incluem o deslocamento forçado e a fome.
O documento afirma que 1,4 milhão de pessoas — 10% da população — tiveram que deixar suas casas para escapar da violência.
“As pessoas estão buscando cada vez mais refúgio em acampamentos improvisados para deslocados, onde têm acesso limitado a alimentos e ajuda humanitária, o que levou a fome a níveis recordes”, diz o relatório.
“Os riscos de fome irão piorar em 2026, à medida que a violência e o deslocamento continuarem a aumentar, expandindo o número de comunidades com acesso limitado à ajuda humanitária”, acrescenta o relatório.
Pasteur Ruberintwari, Diretor Adjunto de Programas do IRC no Haiti, afirmou no relatório que o país enfrenta “uma crise sem precedentes e multifacetada” que exige, entre outras medidas, o aumento do financiamento para apoiar a população com as necessidades mais urgentes.
