Jorge Natal
Especial para o Seringal
Ruas escuras e esburacadas, enlameadas num período do ano e empoeiradas noutro; ausência de calçadas e pouquíssimas ciclovias; trânsito caótico; poluição sonora e visual; violência que já se estendeu ao campo; altos índices de consumo e tráfico de drogas; enchentes; desemprego, esgoto a céu aberto, ramais intrafegáveis; e falta d’água. Bem-vindo a Rio Branco, uma cidade complexa e negligenciada.
Nascido às margens do rio Acre, este centenário local anualmente é alagado. O fenômeno causa prejuízos e transtornos para milhares de pessoas, incluindo as que não possuem moradia digna. E se no Nordeste existe a “indústria da seca”, nós temos uma versão às avessas por aqui. Moradias? Além de não serem prioridade nas políticas públicas, quando acontece é em locais inadequados e de forma clientelista.
Quando o assunto é saneamento básico, somos uma África. Segundo o Instituto Trata Brasil, estamos entre as capitais que mais despejam seus dejetos nos cursos d’água, sem tratamento prévio, obviamente. O marco regulatório, política nacional para pôr fim a essa mazela, ainda não chegou por aqui.
Os nossos vizinhos fronteiriços, o Peru e a Bolívia, os maiores produtores de cocaína do planeta, encontram aqui tudo o que precisam: jovens para consumir e traficar seus produtos. Não é por acaso que temos a maior e mais jovem população carcerária do país, proporcionalmente falando. A disputa por esse “mercado de trabalho” é estampada nas manchetes dos veículos noticiosos: diariamente, uma pessoa morre de forma violenta em Rio Branco.
Para falar sobre alguns desses infortúnios e também para apresentar soluções, conversamos com o ex-prefeito Marcus Alexandre, de 47 anos, agora filiado ao MDB. Se ele é justo em reconhecer que foi inserido na vida pública pelos seus ex-correligionários, pode-se afirmar que essa gratidão e lealdade foram “quitadas”: nos piores momentos do petismo e da era Viana, foi candidato a governador (2018) e depois a vice-governador nas eleições passadas. Preferido entre os rio-branquenses para as eleições vindouras, ele recebeu Oseringal para a entrevista abaixo:
O Seringal – O que o senhor está fazendo depois da filiação?
Marcus Alexandre – Estamos aproveitando este período para visitar o interior, participando das convenções municipais e ajudando a fortalecer o partido. É um momento de construção partidária e de preparação para as eleições do próximo ano.
O Seringal – Como está o ambiente aqui no MDB?
Marcus Alexandre – Eu me sinto em casa e acolhido. O MDB foi o partido da redemocratização, destacadamente no período de exceção, das Diretas Já e deu abrigo para todas as forças progressistas que existiam no País. Eu me identifico com as bandeiras de luta como a democracia, os valores republicanos, a participação popular, o diálogo e o respeito com todas as forças políticas representativas.
O Seringal – Nas últimas eleições municipais, o então candidato a prefeito, Bocalom, quase ganhou no primeiro turno. Agora ele amarga uma altíssima rejeição. Por que?
Marcus Alexandre – É mais difícil ser reeleito do que eleito. Quando você está nesta situação, faz-se propostas inovadoras, se trabalha com a esperança e com o vir a ser. Quando se vai para a reeleição, aí a população já está avaliando o seu trabalho. Isso, em parte, responde o que está ocorrendo hoje. Eu tive a honra de ser reeleito no primeiro turno.
O Seringal – Rio Branco é uma África quando o assunto é saneamento básico. Ninguém tem dados, ou seja, existe uma caixa preta sobre isso. E o marco do saneamento básico aprovado no governo passado? Quem vai executar esse serviço é o poder público ou a iniciativa privada?
Marcus Alexandre– Eu sou da área de engenharia e não existe solução fácil para problema difícil. Deveria ter existido um planejamento maior, principalmente depois que o serviço voltou para a prefeitura. Não é só uma questão de decisão, mas de ter as condições para isso. A atual gestão optou por esse retorno. O sistema de água do município precisa de investimentos, desde a captação até a modernização de equipamentos. É preciso ter uma reserva para a parte alta da cidade, região com maior dificuldade. Em suma: precisa-se de planejamento, investimento, organização e equipe. Privatizar antes de fazer o dever de casa não é correto. Não se pode transferir a conta para o consumidor. Quanto ao esgoto, é outro grande desafio porque foram construídos pontos com sistemas de esgoto isolados, principalmente em conjuntos habitacionais. E não estão funcionando. Os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão sendo anunciados, mas as prefeituras precisam ter bons projetos para captar esses recursos. E a construção civil precisa ser aquecida.
O Seringal – E a zona rural?
Marcus Alexandre – Precisa-se falar menos e apoiar mais o produtor. Muito se prometeu e pouco se fez, principalmente quando se fala de ramais. Se fizermos o dever de casa, ou seja, as intervenções corretas e nos momentos apropriados, como a recuperação de pontos críticos ou a ponte que caiu, as coisas fluem.
O Seringal – Quando dizem que Rio Branco é uma cidade complexa, o que passa pela sua cabeça?
Marcus Alexandre – Rio Branco é uma cidade com regiões diferentes. Enquanto a Estação Experimental ou Nova Estação são localidades consolidadas, no tocante à infraestrutura, os bairros Eldorado, Chico Mendes e Vitória precisam de uma intervenção urgente de manutenção viária. As regiões do Bom Jesus e Benfica, que eram zona rural, hoje se consolidam como zona urbana. Precisa haver intervenções por causa dessa transição. A complexidade de Rio Branco está numa cidade plana, com uma área urbana de cem quilômetros quadrados. É preciso enfrentar os desafios a partir das demandas de cada região.
O Seringal – Nos últimos meses a arrecadação perdeu força com a queda do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Comente.
Marcus Alexandre – A gente não pode ficar transferindo responsabilidades. Os gestores precisam verificar o que eles estão fazendo para melhorar a economia. No centro da cidade parece que todo dia é feriado, ou seja, praticamente sem movimento econômico. A construção civil, a produção familiar e o agronegócio precisam alavancar a nossa economia, com ações integradas de prefeituras e o governo. Quando a economia reage, a arrecadação aumenta. O caminho é fazer o dever de casa. O poder público precisa desburocratizar. Precisa agilizar e apresentar soluções.
O Seringal – O senhor é municipalista. Por que?
Marcus Alexandre – As pessoas moram nas cidades, nos bairros e nas ruas. O Brasil concentra muitas receitas na União. É inadmissível o formato que se dá à distribuição do dinheiro público no Brasil. Quase tudo no cofre do governo federal e as cidades mendigando por financiamentos em programas carimbados e benesses de emendas parlamentares. Essa matriz precisa ser revista porque os municípios são os responsáveis pelos serviços essenciais.