Violência contra trabalhadores rurais em terras griladas supera marcas registradas em 2023

O Brasil atravessa um período de intensas lutas entre as classes sociais, após décadas de avanço das políticas neoliberais e do social-liberalismo na esquerda. Essas políticas contribuíram para aumentar a concentração fundiária, o que tem gerado consequências cada vez mais desastrosas e, além dos impactos ambientais, ocorre a super exploração e a ameaça a vida de milhares de trabalhadores do campo e povos tradicionais.

Nesse contexto, a violência no campo, que permeia a história do Brasil, aumentou de forma alarmante nos últimos 10 anos, registrando um crescimento de 60%. Em 2023, os dados revelam um aumento adicional de 8% nos conflitos gerais no campo e no trabalho escravo em comparação ao ano anterior, alcançando o maior número já documentado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), com um total de 2.203 ocorrências e envolvendo mais de 950 mil pessoas.

Os conflitos são causados pela omissão e conivência do Estado a nível federal e estadual, que segue uma agenda neoliberal da não titulação de quilombos e demarcação de territórios indígenas, somada à falta de destinação de terras públicas e desapropriação de latifúndios para reforma agrária. Em 2023, o Estado teve ligação direta em mais de 261 casos de violência contra comunidades rurais, ribeirinhas e florestais, através do direcionamento de forças policiais e paramilitares.

Em 2023, foram registrados 264 casos de ações de pistolagem, semelhantes às ações do Movimento Invasão Zero, originado da União Democrática Ruralista (UDR) e fundado na Bahia. Esse movimento esteve envolvido em diversas ações contra populações sem-terra e originárias, e em janeiro de 2024, assassinou a líder indígena Nega Pataxó. A pistolagem cresceu cerca de 45% em relação ao ano anterior, sendo o maior número já registrado pela CPT nas ocorrências deste tipo de violência contra as comunidades familiares.

Trinta e uma pessoas foram assassinadas em 2023. Houve uma pequena diminuição se compararmos com os dados de 2022, que apontam para quarenta e sete. Entre os últimos dez anos, 2023 foi o terceiro ano com menos assassinatos registrados. Em 33,3% dos territórios onde ocorreram assassinatos, também houve casos de pistolagem, enquanto em 28,6% houve invasões, destruição de casas e pertences.

Nesses últimos dez anos, o número de mulheres do campo assassinadas chega a trinta e sete. As pessoas indígenas são as que mais sofrem com assassinatos por conflitos de terra no Brasil, representando cerca de 45,17% dos casos nos últimos dez anos. Em 2023, as principais vítimas do Estado burguês e dos setores privados foram indígenas, com 212 casos envolvendo disputas por água e terra, além de aproximadamente 116 invasões diretas em Terras Indígenas (TIs).

A região com o maior número de violência e conflitos é a região Norte, que chega a 35%. Entre 2014 e 2023, só no Pará, o número de conflitos contabilizaram 1999, sendo o estado com mais ocorrências nacionalmente. O Nordeste vem em seguida com 32%, e o estado do Maranhão contempla a maioria dos conflitos da região durante esses anos, cerca de 1926 casos.

Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira, também conhecida como Amacro, é composta por 32 municípios que contemplam o Sul do Amazonas, o Leste do Acre e o Noroeste de Rondônia. Englobando uma área total de 454.220 km², com uma população estimada de 1,7 milhões de pessoas, ela é o epicentro do modelo de Desenvolvimento Sustentável que pretendia priorizar a sociobiodversidade, produzindo “carne verde”, madeira legal e, principalmente nos últimos anos, a plantação de soja. Isso resultou o contrário de “sustentável”, com crescentes índices de desmatamento e queimadas, de grilagens e conflitos. Essa região concentrou 10% de todos os conflitos por terra registrados no país no ano passado.

Dos assassinatos ocorridos em contexto de conflitos no campo em 2023, 26% foram nessa zona. Embora os dados gerais de assassinatos em 2023 tenham mostrado uma redução de 34%, o número total de assassinatos nos últimos dois anos permaneceu estável na região. Nessa região, ocorreram 08 assassinatos do total de 31 registrados, e destes 08, 05 eram de pessoas sem-terras.

Outro modelo de Desenvolvimento sustentável angariado pelo capitalismo verde é a Zona de Matopiba, que concentra dois dos estados com os maiores índices de conflitos por terra:  Bahia e Maranhão. Juntos somam 154 conflitos nessa mesma área. Essas regiões, incentivadas pelo Estado para a expansão das fronteiras agrícolas, continuam a apresentar as maiores incidências de violência.

Vale lembrar que as investigações dos conflitos agrários pela CPT se iniciaram ainda em 1970. Os primeiros resultados foram publicados no livro “CPT: Pastoral e Compromisso” em 1983, coeditado pela Editora Vozes-CPT. Desde então, esse trabalho de registro não parou e os dados foram sendo registrados em uma espécie de boletim.

Até 1988, os registros eram feitos manualmente em fichas. A partir desse ano, a CPT informatizou o processo usando o banco de dados que permitiu documentar os conflitos de forma mais eficiente e organizada, se destacando como a única entidade que conduz uma extensa pesquisa nacional sobre os conflitos no campo. Este trabalho resultou em um dos mais significativos acervos documentais sobre as lutas pela terra e tornam possíveis traçar esses parâmetros que indicam o crescimento dos conflitos no campo.

O modo de produção capitalista atravessou, a partir de 2008, uma profunda crise que acirrou diversas contradições do desenvolvimento desigual do capitalismo internacional. Tornou-se evidente que os capitais transnacionais se tornaram mais relutantes em compartilhar uma parte significativa do valor global com a burguesia nacional brasileira. Isso contribuiu para uma nova rodada expropriatória, na qual o capitalismo dependente busca recuperar o fôlego.

Esse processo intensificou a concentração de terras, a expansão da monocultura e a priorização da exportação de produtos primários. Além disso, agrava a superexploração da força-de-trabalho, a degradação ambiental e a violência.

Desde 2003, existe um ciclo forte de grilagem de terras. Entre 2006 e 2017, os latifúndios aumentaram sua área em 16,5 milhões de hectares. Segundo os dados do IBGE, em 2017, as grandes propriedades, com mais de 1.000 hectares (ha), representavam 47,5% da área ocupada e correspondiam apenas 1% dos estabelecimentos.

Em 2018, conforme o INCRA, as grandes propriedades rurais com mais de 15 módulos fiscais correspondiam a 471,2 milhões de hectares, isso quer dizer que essas terras ultrapassam metade do território nacional.  Em contrapartida, pequenos produtores com até dez hectares representavam 50,2% dos estabelecimentos, ocupando apenas 2,3% da área.

Nos últimos anos, as políticas de Reforma Agrária no Brasil têm sido tímidas e insuficientes, culminando nos últimos três anos sem nenhuma desapropriação, seguindo o ciclo da história brasileira. Nos governos de Lula I e II foram decretadas 1.988 desapropriações de terras para reforma agrária e 3.544 assentamentos foram criados. Já no governo Dilma-Temer foram apenas 237 desapropriações e 612 assentamentos. No governo Temer, apenas 5 desapropriações e 110 novos assentamentos e nenhuma desapropriação no governo de extrema-direita de Bolsonaro-Mourão, e somente a regularização de 20 assentamentos. Quanto aos territórios quilombolas (TQs), Dilma-Temer criou 69 TQs, Temer reconheceu 15 TQs e no governo Bolsonaro-Mourão, 4 foram reconhecidos.

Já em relação às Terras Indígenas, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à CPT, há cerca de 1.296 TIs no Brasil, das quais 530 não têm nenhuma ação do Estado brasileiro visando sua demarcação. Dessas, 401 estão completamente demarcadas, enquanto 306 têm o processo demarcatório iniciado, mas não finalizado.

Além das terras não homologadas, há 65 terras indígenas que não se classificam como tradicionais, devido à restrição imposta pela lei burguesa. A maioria das demarcações ocorreu na década de 1990. Durante os governos Lula foram homologadas 79 TIs, e no governo Dilma-Temer 21, já no governo de Temer e no governo de extrema-direita de Bolsonaro-Mourão não houveram nenhuma homologação.

No primeiro ano do governo Lula-Alckmin não foram adquiridas novas terras para reforma agrária.  O governo seguiu com a política, iniciada por Temer e mantida e intensificada por Bolsonaro-Mourão, e continuou a emitir títulos definitivos para lotes de assentamentos. Fazendo com que os lotes de assentamento entrem no mercado de terras, diminuindo a responsabilidade do governo com os assentados para sua sobrevivência e permanência nas terras, ocorreram apenas 21 novos assentamentos, beneficiando 50,6 mil famílias em áreas já sob posse do governo. Quanto aos Territórios Quilombolas foram criados apenas seis.

Sobre as Terras Indígenasa proposta de campanha de Lula-Alckmin era a demarcação imediata de 14 territórios indígenas nos primeiros 100 dias de governo. Isso não foi cumprido e, em 2023, foram homologadas 08 Terras Indígenas e até a presente data, houve a homologação de apenas 10 TIs, mesmo que o Ministério dos Povos Indígenas tenha indicado a demarcação urgente de 25 territórios, um número ainda abaixo do necessário.

Nesse ano, o orçamento reservado a reforma agrária foi o menor em todos os governos petistas (500 milhões) e não foi viabilizada nenhuma desapropriação de terras até então. Também, desde o ano passado, com a aprovação do Marco Temporal, a demarcação das TIs foram dificultadas e travadas e algumas podem ser revistas, como está acontecendo com a terra Raposa Serra do Sol em Roraima. Isso tudo acontece enquanto o governo social-liberal continua a isentar o agronegócio de impostos e a destinar mais de 500 bilhões ao Plano-Safra.

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