O pacote de gastos públicos apresentado nesta semana mostrou uma vitória da ala política do governo, em especial de ministros filiados ao PT, que conseguiram desidratar algumas das medidas estudadas e que mais impactariam suas pastas. Entre os anúncios feitos, estão a limitação para o crescimento do salário mínimo, a restrição para o abono salarial e o aumento nos impostos dos chamados super-ricos — este último para bancar a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR).
O pacote inclui ainda uma limitação dos supersalários no serviço público, com listagem dos itens que poderão exceder o teto constitucional, e também prevê uma economia com a contratação de novos servidores.
Ainda que fustigado pelo mercado financeiro, o pacote tem a marca do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que recebeu o apoio público de boa parte do Congresso — incluindo os presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mesmo com a demora na apresentação das medidas, o chefe da pasta foi visto como hábil ao conciliar interesses divergentes.
Por outro lado, alguns analistas avaliaram que ele teve de ceder a interesses político-eleitorais e foi alvo de muito “fogo amigo” ao longo do processo. Embora acenando à base petista com a isenção de IR, ele acabou comprando uma briga com agentes financeiros, que não esperam a combinação desse item junto do pacote de corte de gastos. O dólar encerrou essa sexta-feira (29/11) em alta de 0,19%, a R$ 6. A alta acumulada da semana chega a 3,79%, exibindo a resistência do mercado ao pacote.
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Em alta
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), saiu em alta da novela do corte de gastos. Ele conseguiu evitar mudanças no seguro-desemprego, dias após ameaçar pedir demissão se fossem feitas tesouradas em seu ministério sem sua consulta prévia. Já na quarta-feira (27/11), ele recuou ao afirmar que o conjunto de medidas sobre a revisão de gastos públicos vinha com as suas “digitais”.
Muito próximo de Lula desde o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, Marinho não tem tido um bom desempenho em seu ministério, com pautas atravancadas e poucas iniciativas aprovadas, mas tem o respaldo do presidente da República.
Circulou nos bastidores uma proposta de usar parte da multa de 40% paga pelo empregador na demissão para “financiar” o seguro-desemprego. Nessa proposta estudada, o governo gastaria menos com o benefício pago aos desempregados. Também houve discussões sobre redução do número de parcelas do benefício pago aos desempregados.
O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, do aliado histórico PDT, também foi preservado. Lula assegurou a manutenção da vinculação das aposentadorias ao piso nacional. A pasta segue contribuindo para o ajuste fiscal apenas com o pente-fino nos benefícios pago, com revisão de cadastros e endurecimento das regras para concessão e manutenção.
Outro petista, o titular da Educação, Camilo Santana, também conseguiu preservar sua área. Uma das medidas que entraram no pacote foi o uso, em até 20%, da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública. Essa mudança foi mais leve do que o inicialmente previsto, que seria enquadrar o Fundeb dentro de um limite.
No que se refere à saúde, foram descartadas mudanças para inserir o valor das emendas parlamentares para o setor dentro dos gastos mínimos de saúde. Esse ponto, que teria impacto negativo para a pasta da ministra Nísia Trindade, não foi feito, mas foi estipulado que 50% das emendas serão destinadas obrigatoriamente para a saúde pública, o que possui efeito positivo.
Embora rechace a posição de antagônico dentro da equipe econômica, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), conseguiu preservar investimentos em áreas caras ao governo petista.
O governo debatia a inclusão de mudanças nos cálculos dos pisos de Saúde e Educação, em um modelo que previa a desvinculação dos pisos à receita. Ou seja, os pisos teriam de respeitar os limites de gastos do arcabouço fiscal, pelo qual as despesas não podem crescer mais de 2,5% acima da inflação.
Em baixa
Incluídos de última hora no pacote, após pedido expresso do presidente Lula à equipe econômica, os militares se viram afetados por mudanças que não esperavam. Quatro medidas atingirão os funcionários da caserna, incluindo o fim da morte fictícia (quando um militar condenado por crime ou expulso da força é tratado como morto para fins de pensão) e a definição progressiva de uma idade mínima para a transferência para a reserva remunerada (que funciona como uma Previdência militar).
Os comandantes das Forças Armadas tinham preocupação de manter “desejável atratividade para o ingresso e permanência” na vida militar.
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A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), também saiu menor da discussão depois de ela e sua equipe terem mencionado ideias que não só não foram aceitas, como foram publicamente rechaçadas dentro do governo.
Entre as mais polêmicas, estavam mudanças na idade mínima e na indexação dos valores do Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao piso nacional. O benefício é pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e a proposta, levantada pelo secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento, Sérgio Firpo, foi muito mal recebida pelo PT.
O BPC é pago independente de a pessoa ter ou não contribuído para o regime. O benefício equivale a um salário mínimo, hoje em R$ 1.412.
Antes dessa ideia, a própria ministra saiu pela defesa da desvinculação da Previdência do salário mínimo e da inclusão do Fundeb na conta do piso da Educação.
Tebet acabou perdendo no meio do ano seu secretário de Orçamento, Paulo Bijos, que pediu exoneração às vésperas do envio ao Congresso Nacional do Orçamento de 2025. De volta à Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, Bijos patrocinou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) alternativa, apresentada por parlamentares não ligados ao governo, para controlar a trajetória de crescimento de despesas primárias.
Tramitação
As medidas serão submetidas à análise do Congresso Nacional e a intenção do governo é aprová-las ainda em 2024, para que já comecem a surtir efeitos em 2025. Elas deverão tramitar na forma de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), de um projeto de lei complementar (PLP) e de um projeto de lei (PL).
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As propostas podem sofrer mudanças antes de serem aprovadas. Na prática, o governo vai ter que articular para que os textos não tenham alterações significativas, até mesmo para preservar o impacto fiscal, de R$ 70 bilhões em dois anos (2025 e 2026).
A expectativa no Congresso é que nas próximas duas semanas a PEC e o PLP fiquem tramitando na Câmara. E que na última semana antes do recesso, entre 16 e 20 de dezembro, as propostas sejam votadas no Senado.
Fonte: Metrópoles