O ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, ameaçou dar voz de prisão ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) quando ele mencionou a possibilidade de dar um golpe de Estado para se manter no poder após ser derrotado nas urnas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A cena teria sido presenciada em uma reunião no Palácio da Alvorada pelo ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos Baptista Júnior, e relatada à Polícia Federal. A CNN teve acesso à íntegra do documento.
Aos investigadores, Baptista Júnior disse ainda estar convicto de que foi a posição firme de Freire Gomes que impediu um golpe de Estado no Brasil.
“Caso o comandante tivesse anuído, a possível tentativa de golpe de Estado teria se consumado”, disse o ex-chefe da Aeronáutica aos investigadores.
No depoimento, Baptista Júnior afirmou que, depois de Bolsonaro “aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de alguns institutos previsto na Constituição (GLO ou estado de defesa ou estado de sítio)”, o então comandante do Exército disse que “caso ele tentasse o tal ato teria que prender o presidente da República.”
Em seu depoimento, o ex-comandante da FAB diz ainda que ele tentou demover o Jair Bolsonaro de decretar uma Garantia da Lei e da Ordem, Estado de Defesa e de Sítio.
O general Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Baptista Júnior afirmaram ainda que rechaçaram em diversas oportunidades uma proposta de golpe, enquanto que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria colocado à tropa à disposição de Bolsonaro.
Em uma das reuniões, conforme relatou à PF, Baptista Júnior teria dito a Bolsonaro que não haveria hipótese de ele continuar no poder após a derrota para Lula nas eleições, e que não aceitaria uma ruptura institucional. Segundo o brigadeiro, Bolsonaro “ficava assustado”.
No depoimento aos investigadores, o ex-comandante da Aeronáutica relatou ter usado uma “estratégia de ganhar tempo” e evitar que Bolsonaro assinasse alguma medida de exceção que subvertesse o Estado de Direito, diante das possíveis estratégias levantadas pelo então presidente para reverter o resultado das eleições.
O ex-presidente, segundo o relato feito à PF, apresentava hipóteses de usar operações de garantia da lei e da ordem (GLO) e outros “institutos jurídicos mais complexos”, como a decretação de um Estado de Defesa, para solucionar uma possível “crise institucional”.
“Melancia e traidor da pátria”
À PF, Baptista Júnior contou que uma suposta minuta golpista chegou a ser apresentada aos comandantes militares pelo então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em uma reunião convocada na pasta.
Segundo sua versão, após ter tido uma postura de rechaçar qualquer contato com o documento, passou a receber ataques virtuais nas redes sociais, sendo chamado de “melancia” (em referência a militares que seriam comunistas) e “traidor da pátria”.
Baptista então disse que questionou o ministro: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”, e relatou que o ministro ficou “calado”.
Baptista então afirmou ter entendido se tratar de ordem que impediria a posse do novo governo, teria afirmado não admitir “sequer receber” o documento. De acordo com o relato, ele então saiu da sala.
Conversas sobre golpe
Baptista Júnior relatou ter dialogado com outras pessoas em ao menos duas ocasiões sobre as reuniões tramadas em Brasília com finalidade golpista.
Uma delas foi com a deputada Carla Zambelli (PL-SP), em 8 de dezembro, durante uma cerimônia de formatura dos aspirantes a oficial na Academia da Força Aérea, em Pirassununga (SP).
Ele teria sido interpelado pela congressista com a fala: “Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão”. E teria respondido:
“Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”.
Baptista disse que reportou o fato ao então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que comentou ter sido abordado por Zambelli de forma semelhante.