Fim do IMC? Estudo propõe novos critérios para definição da obesidade

Vigentes há anos, as definições internacionais do que é obesidade podem ser mudadas em breve. Um estudo publicado na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology na noite desta terça-feira (14/1) propõe a redefinição da obesidade como uma doença clínica crônica, focando mais nos sintomas e problemas de saúde associados a ela do que ao peso corporal.

O estudo pede que se deixe de adotar apenas o critério do índice de massa corporal (IMC, divisão do peso pelo quadrado da altura), que era usado isoladamente para o diagnóstico e definia até os graus da doença. O grupo de 58 médicos de vários países sugere que a gravidade da obesidade seja avaliada de forma mais complexa, pensando nos sintomas que a doença manifesta no organismo.

“A questão sobre se a obesidade é uma doença é equivocada porque presume um cenário impossível de tudo ou nada, onde a obesidade é sempre ou nunca uma doença. As evidências, no entanto, mostram uma realidade mais complexa. Alguns indivíduos com obesidade podem manter a função normal dos órgãos e uma saúde geral, mesmo a longo prazo, enquanto outros apresentam sinais e sintomas de doença grave aqui e agora”, explica o presidente da comissão sobre Obesidade Clínica Francesco Rubino, do King’s College London, no Reino Unido.

O grupo fez uma análise de outros estudos publicados anteriormente para chegar à proposta, que já foi endossada por 75 organizações médicas ao redor do mundo.

Fim do império do IMC

“A comunidade médica foi educada por décadas a se basear no IMC. O problema é que ele sozinho não diz muita coisa. Não mostra se há concentração de gordura no abdomen, se a qualidade de vida do indivíduo está comprometida, ele apenas diz que é uma pessoa grande”, resume o médico Ricardo Cohen, especialista em obesidade do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente Mundial da Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade (IFSO). Ele foi um dos médicos envolvidos no estudo.

A proposta apresentada pelo conjunto de especialistas visa complementar o IMC com medidas como a relação cintura-quadril e exames por imagem para identificar com mais precisão os fatores associados ao risco de morte.

Para o endocrinologista Paulo Miranda, coordenador da Comissão Internacional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), o documento é um marco por envolver especialistas de todo o mundo.

“Ele traz uma visão mais ampla da doença e consolida em um único documento as visões de vários países. Embora o IMC seja útil em estudos populacionais, ele não é suficiente para avaliar a saúde individual. Medidas adicionais, como da circunferência abdominal e exames de composição corporal, também são importantes para uma avaliação mais precisa”, destaca.

Os dois tipos de obesidade

Os novos critérios dividem a obesidade em duas categorias: pré-clínica e clínica. A primeira engloba indivíduos com excesso de gordura e maior risco de desenvolver doenças, mas que ainda não têm sua qualidade de vida comprometida.

Já a obesidade clínica é a categoria que reúne pacientes que já experimentam comprometimento da saúde, como insuficiência cardíaca, problemas renais ou limitações de mobilidade importantes.

“Com pelo menos dois indicadores positivos na lista dos parâmetros, já consideramos que é um quadro de obesidade clínica”, detalha Cohen. A distinção permitirá priorizar tratamentos segundo a gravidade, não mais baseado apenas no peso dos pacientes, promovendo um combate individualizado à obesidade.

Confira na imagem quais são os parâmetros considerados pelo estudo:

Sintomas obesidade clínica

Impactos na prática clínica

Com a abordagem passando a se focar mais nos sintomas do que no peso dos pacientes, o tratamento para obesidade também se volta mais à redução dos fatores de risco e dos comprometimentos da qualidade de vida do que ao emagrecimento.

Os principais focos passam a ser o de controle de doenças associadas, especialmente a diabetes, e o de redução da gordura visceral. O acúmulo de gordura no abdômen é considerado mais perigoso por comprometer diretamente o funcionamento de órgãos como o coração, rins e fígado do que os níveis de gordura bem distribuídos no corpo.

A proposta busca também reduzir o preconceito contra pessoas obesas. “Ao pensar no peso apenas, acabamos estigmatizando duramente as pessoas doentes. Não se trata de culpa do indivíduo: a obesidade é uma condição influenciada por fatores genéticos e metabólicos que deve ser avaliada com um cuidado integral e livre de preconceitos”, diz Cohen.

Desafios e expectativas

A transição para os novos critérios envolve desafios, especialmente na adaptação de sistemas de saúde e capacitação de profissionais. Contudo, os médicos que elaboraram a nova proposta acreditam que a mudança vai levar a uma melhor precisão diagnóstica e eficiência terapêutica.

“Reconhecer a obesidade como uma doença com sintomas específicos pode ajudar a reduzir preconceitos e garantir um atendimento mais justo e eficaz”, conclui Miranda.

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Fonte: Metrópoles

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