Corais não são exatamente conhecidos por sua habilidade em se movimentar — ou sequer por terem pés. No entanto, cientistas observaram que um coral-solitário da espécie Cycloseris cyclolites é capaz de “caminhar” ativamente em direção a ondas de luz azul, de uma forma que lembra o movimento pulsado de natação das águas-vivas, segundo um novo estudo.
A maioria dos corais são organismos sésseis, permanecendo permanentemente fixados a um substrato ou base, como algas que crescem sobre rochas, durante toda a vida. O C. cyclolites, por sua vez, começa sua vida ancorado em um local, mas torna-se móvel à medida que amadurece, fazendo com que seu caule se dissolva.
Essa espécie é comumente encontrada na região Indo-Pacífica, havendo também indícios de sua presença no Oceano Índico e no Mar Vermelho, segundo o Dr. Brett Lewis, autor principal do estudo e pesquisador de pós-doutorado na Escola de Ciências da Terra e Atmosféricas da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália.
As áreas recifais onde os corais C. cyclolites se desprendem costumam ser zonas de alta energia, com ondas fortes e grande competição por espaço. Esses fatores ambientais desfavoráveis forçam os pequenos indivíduos da espécie — que medem até 9 centímetros — a migrar rapidamente para águas mais profundas.
Essa relocação aumenta suas chances de sobrevivência e reprodução, pois reduz a energia das ondas, a temperatura e a competição por recursos como alimento e luz solar, de acordo com o estudo publicado em 22 de janeiro na revista científica PLOS One.
Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que alguns corais-solítários tinham a capacidade de se mover quando expostos à luz, mas os detalhes precisos de como esses organismos navegavam pelo ambiente permaneciam desconhecidos devido à baixa resolução dos sistemas de imagem.
Agora, o novo estudo confirmou que C. cyclolites se move ativamente por meio de uma técnica conhecida como inflação pulsada quando exposto à luz azul, permitindo que migre em direção a fontes de luz que se assemelham ao seu habitat natural, segundo Lewis.
O movimento característico observado em C. cyclolites sugere que corais-solítários podem ter funções corporais mais complexas do que se pensava, semelhantes às das águas-vivas — seus primos evolutivos —, afirma Lewis.
Movendo-se em direção à luz
Lewis e sua equipe coletaram cinco espécimes de C. cyclolites na costa de Cairns, na Austrália, antes de transportá-los para um aquário na Universidade de Tecnologia de Queensland. Lá, os cientistas realizaram testes com luz única e dupla, analisando a resposta dos corais a comprimentos de onda azul e branco individualmente, antes de expor ambos simultaneamente.
C. cyclolites demonstrou uma forte preferência pela luz azul, com a maioria dos corais exibindo uma resposta fototática positiva, ou seja, movendo-se em direção à fonte luminosa.
O movimento foi caracterizado por pulsos periódicos, com surtos de mobilidade que duravam de uma a duas horas. Durante os testes, alguns corais deslocaram-se até 220 milímetros ao longo de um período de 24 horas.
É possível que pudessem ter percorrido distâncias maiores, mas acabaram interrompendo o movimento ao atingir a parede do tanque.
Em contraste, apenas 13,3% dos espécimes se moveram em resposta à luz branca, percorrendo distâncias significativamente menores. O coral que se deslocou mais longe sob essa condição percorreu apenas 8 milímetros.
Quando campos de luz azul e branca foram apresentados simultaneamente, todos os corais migraram em direção à luz azul, evitando a luz branca.
Lewis comparou o comportamento dos corais ao de humanos na praia: “Quando você mergulha e olha para a costa, tudo parece claro e brilhante, mas ao virar-se para o oceano profundo, o ambiente torna-se escuro e azulado”, disse ele por e-mail.
Para C. cyclolites, no entanto, essa luz azul difusa funciona como um sinal direcional, ajudando os corais a se deslocarem para águas mais profundas e calmas.
“Muitas espécies que vivem no oceano dependem da luz, especialmente aquelas em águas rasas, onde a luz penetra ativamente. Portanto, novas informações sobre como uma espécie como C. cyclolites responde à luz podem contribuir para nosso entendimento sobre o desenvolvimento de comportamentos fotossensíveis e até mesmo levar a novos estudos sobre como esses organismos detectam e reagem à luz”, disse o biólogo marinho Andrew Davies por e-mail. Davies, professor de ciências biológicas na Universidade de Rhode Island, não esteve envolvido no estudo.
Compreendendo o movimento ativo dos corais
Munidos de imagens em time-lapse de alta resolução, os pesquisadores observaram e documentaram a complexa biomecânica de C. cyclolites.
A equipe primeiro registrou o movimento passivo dos corais, que é considerado seu principal modo de migração após se tornarem móveis, segundo o estudo.
O deslocamento passivo depende da energia das ondas e da gravidade. As ondas oceânicas geram força suficiente para mover os corais — às vezes na direção errada —, mas a gravidade e a inclinação do recife tendem a guiá-los de volta para águas mais profundas.
Quando as ondas e a inclinação natural do recife se combinam, os corais são gradualmente empurrados para a zona externa do recife, que geralmente apresenta um fundo arenoso mais calmo.
A partir daí, C. cyclolites pode usar sua mobilidade ativa, ou habilidade de “caminhar”, para se deslocar ainda mais fundo em busca de comunidades de corais semelhantes, explicou Lewis.
Os pesquisadores descobriram que o movimento ativo de C. cyclolites em direção à luz azul foi influenciado por três fatores principais: a inflação dos tecidos, a expansão das almofadas em sua face inferior e a torção e contração dos tecidos externos do coral.
Juntos, esses mecanismos formam um processo conhecido como inflação pulsada, no qual os tecidos do coral se expandem e se contraem rapidamente além do seu estado normal como uma técnica de sobrevivência.
“O desafio da locomoção passiva é que, apesar de ser uma estratégia relativamente rápida, ela é arriscada. Em algumas ocasiões, os organismos podem ser transportados para áreas desfavoráveis e têm pouco controle sobre onde ou como pousam — podendo até acabar de cabeça para baixo ou presos em cavidades”, explicou Davies. “Por outro lado, com a locomoção ativa e orientada por estímulos, que é mais lenta, mas mais segura, os organismos têm certo controle sobre quando e para onde se movem, aumentando as chances de chegar a um local adequado.”
As águas-vivas também utilizam a inflação pulsada para nadar, mas, no caso de C. cyclolites, esse mecanismo gera um movimento de “caminhada” sobre uma superfície. Embora as águas-vivas tenham sido amplamente estudadas, os pesquisadores sugerem que corais como C. cyclolites podem possuir um sistema nervoso comparável devido à semelhança de seus movimentos complexos.
Lewis e Davies observaram que essa pesquisa pode fornecer pistas sobre padrões de movimento semelhantes em outras espécies de corais ou até contribuir para o desenvolvimento de estratégias futuras de conservação.
“Se C. cyclolites demonstra uma resposta tão forte à luz, isso pode nos ajudar a entender como outros corais utilizam a luz, seja para a desova, o comportamento das larvas ou o desenvolvimento de células sensíveis à luz”, disse Davies.
“Esse estudo também pode ser útil para programas de restauração ou cultivo de corais, nos quais corais são criados para repovoar áreas que sofreram perda de habitat. Compreender sua ecologia é essencial para garantir o sucesso dessas iniciativas.”
Microgravidade pode desorientar espermatozoides humanos; entenda
Este conteúdo foi originalmente publicado em Estudo descobre coral que se move como água-viva; entenda no site CNN Brasil.