O presidente Donald Trump está prestes a atingir os três maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos com tarifas abrangentes, uma aplicação muito mais agressiva de sua arma econômica favorita do que qualquer coisa que ele fez em seu primeiro mandato.
Os impostos de importação iminentes sobre México, Canadá e China serão um grande teste para o uso não convencional de tarifas por Trump, que ele descreveu como “a melhor coisa já inventada”.
Essa estratégia representa uma enorme aposta, possivelmente maior do que qualquer outra política econômica implementada por Trump durante seus mais de quatro anos na Casa Branca. Além disso, tem o potencial de afetar diretamente algo que muitos eleitores consideram essencial: a economia e o custo de vida.
O risco de um tiro no pé
As tarifas de Trump, no entanto, trazem um grande risco: elas podem sair pela culatra, elevando ainda mais os preços ao consumidor nos supermercados, desestabilizando um mercado de ações já frágil ou provocando a perda de empregos em uma guerra comercial em grande escala.
“Esse pode ser o maior tiro no pé até agora”, disse Mary Lovely, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, à CNN em entrevista por telefone. “É uma grande aposta. Uma receita para desacelerar a economia e aumentar a inflação.”
O Wall Street Journal foi ainda mais longe, publicando um editorial contundente no sábado intitulado: “A guerra comercial mais estúpida da história”.
O texto argumentou que a justificativa de Trump para um “ataque econômico” contra Canadá e México “não faz sentido” e alertou que a estratégia pode acabar em desastre.
Um mundo muito diferente
Trump vê as tarifas como uma ferramenta quase mágica de negociação, uma forma poderosa de obter vantagem sobre aliados e adversários.
Ele argumenta que elas são necessárias para lidar com preocupações como o déficit comercial, a imigração ilegal e o tráfico de drogas.
Trump e seus apoiadores frequentemente ressaltam, corretamente, que as tarifas impostas em seu primeiro mandato não causaram inflação significativa.
Mas essas eram tarifas diferentes, aplicadas em um mundo muito diferente e em um período distinto.
No sábado, Trump determinou tarifas sobre US$ 1,4 trilhão em bens importados — mais que o triplo dos US$ 380 bilhões em produtos estrangeiros taxados durante seu primeiro mandato, segundo estimativas da Fundação Tributária dos EUA.
Naquele período, a inflação não era um problema significativo.
Hoje, no entanto, o custo de vida está muito mais alto — nos supermercados, nas concessionárias de carros e em praticamente todos os setores. Consumidores, investidores e o Federal Reserve estão muito mais sensíveis a qualquer aumento nos preços.
“Por que incendiar a própria casa?”
A Casa Branca argumenta que as novas tarifas de Trump não prejudicarão a economia dos EUA. No entanto, economistas e especialistas em comércio estão preocupados, pois os impostos miram os vizinhos mais próximos dos EUA, Canadá e México.
No primeiro mandato, Trump ameaçou, mas nunca chegou a impor tarifas contra esses países, sendo dissuadido por seus assessores.
Agora, impor tarifas generalizadas a esses parceiros pode causar um caos nas cadeias de suprimentos da América do Norte, elevando os preços.
“Aplicar tarifas de até 25% aos nossos parceiros comerciais mais próximos pode dizimar a potência econômica da América do Norte—da qual os EUA dependem. Por que você iria querer incendiar a própria casa?” questionou Christine McDaniel, ex-funcionária do governo George W. Bush e pesquisadora da Universidade George Mason.
Isso é especialmente verdadeiro no setor automotivo, onde peças cruzam as fronteiras várias vezes antes de um carro chegar às concessionárias. A Wolfe Research estima que as tarifas podem aumentar o preço médio de um carro vendido nos EUA em até US$ 3.000.
Preços dos supermercados em risco
A indústria do petróleo pediu à Casa Branca que proteja o petróleo bruto das tarifas, já que o Canadá é a maior fonte estrangeira de petróleo dos EUA. Analistas alertam que as tarifas podem elevar os preços da gasolina no Meio-Oeste, nos Grandes Lagos e nas Montanhas Rochosas. Por isso, a Casa Branca reduziu as tarifas sobre a energia canadense para 10%, em vez dos 25% totais.
Os preços dos alimentos foram uma grande preocupação para os eleitores nas últimas eleições. O México é a principal fonte estrangeira de frutas e vegetais dos EUA, enquanto o Canadá ocupa o primeiro lugar no fornecimento de grãos, carne e açúcar.
Lovely afirmou estar “muito” confiante de que as tarifas aumentarão os preços para os consumidores, especialmente nos supermercados e em materiais de construção. Mudanças no valor das moedas podem amenizar parte do impacto, mas não todo.
“Os preços têm que subir”, disse Lovely. “Não há como simplesmente impor esse imposto e, de repente, puff, o peso desaparece—mesmo que Trump queira nos convencer do contrário.”
O impacto das tarifas nos preços não será imediato. Em vez disso, deve acontecer gradualmente, à medida que os efeitos se espalham pelas cadeias de suprimentos.
“Não é como se todos aumentassem os preços amanhã e pronto”, explicou Lovely. “O efeito será lento. Uma semana aparecerá no supermercado, na outra na Home Depot.”
O problema é que o aumento dos custos de insumos, junto com tarifas retaliatórias de outros países, pode afetar o consumo das empresas e dos consumidores—preocupando investidores e autoridades do Federal Reserve.
As tarifas de Trump contra México, Canadá e China, combinadas com retaliações desses países, podem reduzir o crescimento do PIB dos EUA em 1,5 ponto percentual em 2025 e mais 2,1 pontos em 2026, segundo o economista-chefe da EY, Gregory Daco.
“A elevação drástica das tarifas contra parceiros comerciais dos EUA pode criar um choque estagflacionário—um impacto econômico negativo combinado com um impulso inflacionário—além de desencadear volatilidade nos mercados financeiros”, escreveu Daco em um relatório na sexta-feira.
“Brincando com fogo”
Uma grande incógnita é como o Federal Reserve reagirá.
O presidente do Fed, Jerome Powell, e seus colegas podem ignorar um impacto pontual nos preços, mas tarifas podem forçar o banco central a adiar cortes nos juros.
O fator-chave será se as tarifas alteram a percepção dos consumidores sobre a inflação.
“Se as tarifas elevarem as expectativas de inflação, o Fed pode se sentir pressionado a manter os juros elevados por mais tempo, apertando as condições financeiras e prejudicando o crescimento”, disse Daco no relatório.
Ainda é cedo para dizer como tudo isso vai se desenrolar. Há muitas variáveis, incluindo a reação das cadeias de suprimentos e dos consumidores.
É possível que um acordo de última hora seja fechado antes que as tarifas causem danos reais.
No entanto, elevar tarifas nesse nível e sobre uma gama tão ampla de produtos é uma estratégia arriscada—algo que nem mesmo Trump tentou em seu primeiro mandato.
“O governo está brincando com fogo”, disse Joe Brusuelas, economista-chefe da RSM.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Análise: Trump coloca US$ 1,4 tri na mira de tarifas e ameaçã inflação no site CNN Brasil.