A Arábia Saudita tem sediado reuniões de alto risco de altos funcionários americanos, russos e ucranianos. Isso ressalta as aspirações do reino de se tornar um ator global capaz de mediar conflitos internacionais com sucesso.
O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman abraçou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky depois que ele desembarcou na cidade de Jeddah, no Mar Vermelho, na noite de segunda-feira (10).
Os sauditas mediarem o encontro entre altos funcionários dos EUA e da Rússia no mês passado, as primeiras conversas diretas entre Washington e Moscou desde a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O local para essas conversas — descrito na época pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, como um que “geralmente convém” aos Estados Unidos e à Rússia — é amplamente considerado uma vitória para o líder de fato do reino, de 39 anos, o príncipe Mohammed.
Ele está em uma missão para transformar o país rico em petróleo e seu passado fundamentalista islâmico em uma nação que pode cultivar “soft power” (estratégia para conquista de prestígio sem uso de força) a partir de imensa riqueza.
“Não acho que haja outro lugar onde o líder tenha um relacionamento pessoal tão bom com Trump e Putin”, declarou o comentarista saudita Ali Shihabi, acrescentando que para “Arábia Saudita, (o evento é) prestigioso e aumenta o soft power regional e globalmente”.
Tudo faz parte de uma mudança mais ampla. Nos últimos anos, a Arábia Saudita realinhou suas políticas em direção à neutralidade em conflitos globais com a esperança de se afastar da guerra e se aproximar de atrair bilhões de dólares em investimentos que poderiam ajudar a alcançar a “Visão 2030” – o plano do príncipe herdeiro de diversificar a economia saudita para longe do petróleo.
O príncipe Mohammed se afastou significativamente do Iêmen após anos de guerra com os vizinhos Houthis apoiados pelo Irã, está consertando laços com o rival regional Irã e manteve relacionamentos próximos com a China e a Rússia – tudo isso preservando o relacionamento próximo da Arábia Saudita com o Ocidente.
Laços com Putin e Trump
Além de sediar lutas internacionais de boxe e festivais de música eletrônica, a Arábia Saudita tem buscado projetar uma imagem de ser um pacificador global, sediando reuniões de doadores de ajuda e conferências de paz.
Em agosto de 2023, sediou uma cúpula de paz de dois dias sobre a Ucrânia com representantes de mais de 40 países (embora sem a Rússia) e, em fevereiro do mesmo ano, prometeu US$ 400 milhões em ajuda a Kiev.
A ascensão do príncipe Mohammed como um corretor de poder nas negociações decorre de seu relacionamento próximo com Trump, que apoiou o jovem membro da realeza quando ele foi rejeitado internacionalmente após o assassinato do colunista do Washington Post Jamal Khashoggi em 2018 por agentes sauditas.
Em 2017, Trump rompeu com a tradição ao escolher a Arábia Saudita para sua primeira visita presidencial internacional.
Mesmo após perder a eleição de 2020, os sauditas mantiveram os laços comerciais estreitos com o americano, investindo US$ 2 bilhões em uma empresa presidida por seu genro Jared Kushner e anunciando planos para construir torres Trump no reino.
Agora, como presidente novamente, o republicano anunciou na sexta-feira (7) que escolherá novamente a Arábia Saudita como sua primeira visita estrangeira como presidente, seguindo a promessa do reino de investir US$ 1 trilhão em empresas americanas ao longo de quatro anos.
O príncipe herdeiro também tem laços calorosos com o presidente russo Vladimir Putin, que se recusou a isolar o príncipe após o assassinato de Khashoggi.
Mohammed resistiu à pressão ocidental para alienar Moscou após a invasão da Ucrânia e continuou coordenando estreitamente com Putin para controlar o fornecimento global de petróleo, até mesmo ficando do lado da Rússia ao rejeitar os apelos do governo Biden para aumentar a produção de petróleo em 2022.
Putin visitou o reino em 2023 e cortejou Riade para se juntar ao BRICS – um bloco de países que busca conter a influência econômica dos EUA.

A proteção das relações dos sauditas em um mundo cada vez mais polarizado provou ser benéfica, dizem analistas.
O príncipe bin Salman foi “instrumental” na libertação do professor americano Mark Fogel da custódia russa no mês passado, afirmou o enviado de Trump ao Oriente Médio, Steve Witkoff.
A Arábia Saudita, com seu vizinho Emirados Árabes Unidos, também foi bem-sucedida na mediação de várias trocas de prisioneiros entre a Ucrânia e a Rússia.
As negociações do mês passado entre a Rússia e os EUA não incluíram a Ucrânia.
Nesta terça-feira (11), o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, se reúniram com o conselheiro de segurança nacional, o ministro das Relações Exteriores e o ministro da defesa ucranianos.
Um olho em Gaza
A longo prazo, a Arábia Saudita pode tentar usar seu papel como mediadora na reunião entre a Rússia e os EUA para capitalizar uma questão regional urgente – a controversa sugestão de Trump de que os EUA assumam a propriedade de Gaza e realoquem permanentemente seus moradores.
Em fevereiro, o americano expôs uma visão de trazer paz ao Oriente Médio ao reconstruir a Faixa de Gaza devastada pela guerra com moradias premium no estilo “Riviera” e realocar permanentemente seus mais de 2 milhões de moradores.
Os países árabes rejeitaram rapidamente a ideia e os líderes se encontraram no Cairo este mês para endossar um plano de reconstrução de US$ 53 bilhões que garantiria que os palestinos não fossem realocados de Gaza.
“Ao facilitar o objetivo declarado do presidente Trump de acabar com a guerra na Ucrânia, a Arábia Saudita está bem posicionada para acumular boa vontade em Washington. O reino poderia capitalizar seu estoque crescente com a administração republicana para preencher a lacuna entre as posições dos EUA e dos árabes sobre o destino de Gaza”, analisou Hasan Alhasan, pesquisador sênior de política do Oriente Médio no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos no Bahrein.
Os próximos quatro anos podem ver o príncipe Mohammed apostando em seu relacionamento próximo com o atual presidente dos EUA – mas o príncipe ainda pode se encontrar em situações difíceis tentando equilibrar seus interesses regionais em meio a demandas agressivas do republicano.
Trump gostaria de ver as relações saudita-israelenses normalizadas, mas em meio à crescente raiva no Oriente Médio sobre a campanha militar de Israel em Gaza, defender um caminho para a condição de estado palestino é politicamente inegociável para o príncipe bin Salman.
“Alcançar uma paz duradoura e justa é impossível sem que o povo palestino obtenha seus direitos legítimos conforme as resoluções internacionais, como foi previamente esclarecido para as administrações dos EUA anterior e atual”, disse o reino em uma declaração no início deste mês em reação ao plano trumpista para Gaza.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Análise: Saiba por que Arábia Saudita se tornou sede de negociações no site CNN Brasil.