Por mais de uma década, Elza*, atualmente com 65 anos, viu a sua hérnia abdominal progredir e se tornar mais dolorosa sem que ela conseguisse passar pela cirurgia que poderia repará-la. O problema, se não tratado, pode causar necrose do intestino, que pode ser fatal.
Entretanto, os médicos se recusavam a operá-la pelos riscos da cirurgia. “Eles exigiam que eu emagrecesse no mínimo 40 kg para fazer a cirurgia. Era muito difícil, eu não conseguia e eles se negavam a fazer. Com isso, o tempo foi passando e a hérnia foi crescendo”, lamenta.
O início do problema
Os primeiros sintomas aparececeram por volta de 2010. “A princípio, era um pequeno caroço na região abdominal e não dei muita importância. Mas com o passar do tempo, ele ficou maior”, lembra Elza.
A primeira consulta com um gastroenterologista aconteceu quando o caroço já incomodava. Após exames de imagem, veio o diagnóstico de uma hérnia abdominal. Naquele mometo, ela tinha pequenas dimensões, mas o especialista se recusou a operá-la, já que Elza estava obesa.
“Nesta época, eu estava com 114 kg. Consegui emagrecer 23 kg na tentativa de fazer a operação, mas não consegui chegar aos 40 kg. Desisti, foi um período muito frustrante”, relembra.
Cada nova estratégia apresentada era apenas para tratar a obesidade, mas a realização de cirurgia bariátrica demandava a realização de uma série de exames que nunca chegavam a uma recomendação definitiva.
“O problema é que a hérnia já estava muito grande e dolorida. Não podia encostar a barriga em lugar nenhum e comecei a ter dificuldade para andar. De tempos em tempos, eu sentia muita dor, precisando tomar analgésico. O tempo entre um ataque de dor e outro diminuia, mas sempre me diziam que ou eu emagrecia, ou nada feito”, afirma ela.
A crise mais aguda da hérnia
Em fevereiro de 2024, a dor se intensificou. Dessa vez, veio acompanhada de vômitos persistentes, o que a levou direto ao hospital. Elza foi diagnosticada com uma oclusão intestinal, quando o intestino é bloqueado e as fezes ficam travadas.
Os médicos chegaram a cogitar uma cirurgia de emergência, mas a hérnia de Elza era tão grande que eles decidiram consultar um especialista: o cirurgião Cássio Gontijo, que recomendou a transferência dela para o Hospital Sírio-Libanês em Brasília.
“É triste pensar que um paciente fique tantos anos pensando que seria impossível voltar a ficar bem. Os tantos ‘nãos’ que ela escutou, que era impossível fazer algo por ela. Sem dúvida é um caso desafiador, mas não podemos desistir de nossos pacientes”, afirma.
Emergencialmente, foi colocada uma sonda gástrica na paciente. Exames identificaram que a hérnia era tão grande que impedia a realização de uma cirurgia bariátrica. Diante disso, foi instituído um programa rigoroso de dieta e exercícios, com acompanhamento de endocrinologista e nutricionista em consultas frequentes. “O acompanhamento atento é fundamental para manter o paciente engajado no tratamento”, diz Cássio.
Perda de peso permitiu cirurgia tardia
Ao final de oito meses, a paciente havia perdido 30 quilos, reduzindo o peso de 110 para 80. “A perda de peso era imprescindível, porque a gordura abdominal era um empecilho para acomodar o intestino na cavidade abdominal”, explica o médico. Com isso, foi possível planejar a intervenção.
A internação aconteceu em 9 de fevereiro de 2025. A cirurgia foi realizada no dia 17. O procedimento foi bem sucedido, mas por conta das dimensões, a hérnia acabou deixando uma grande cicatriz. “Levei mais de 150 pontos”, relata Elza.
O procedimento durou mais de dez horas. Além de reposicionar o intestino na cavidade abdominal, a equipe reconstruiu a parede abdominal de forma funcional para evitar novas hérnias.
Procedimento exigente
O cirurgião explica que a operação só foi possível graças à estrutura hospitalar e à capacitação da equipe. “É uma cirurgia extremamente trabalhosa, com necessidade de treinamento”, comenta. Ele destaca que casos como esse mostram que o procedimento é viável, mas que os pacientes precisam ser acompanhados e não apenas cobrados pelos profissionais que os atendem.
A cirurgia de reconstrução da parede abdominal é a única alternativa para a reparação da hérnia, mas existem opções menos invasivas. O procedimento pode, em alguns casos, ser feito por videolaparoscopia ou cirurgia robótica, mas nem todos os pacientes são candidatos a técnicas minimamente invasivas. “Para alguns indivíduos, só uma cirurgia aberta é possível”, afirma Gustavo Soares, presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH).
“Algumas vezes a reconstrução só pode ser feita de maneira adequada com uma cirurgia aberta, com grande incisão, o que exige mais tempo de internação hospitalar e de repouso para a adequada recuperação do paciente”, completa o especialista.
Doença comum, mas frequentemente ignorada
Estima-se que entre 20% e 25% dos adultos brasileiros tenham algum tipo de hérnia da parede abdominal. Isso representa cerca de 28 milhões de pessoas no país.
Geralmente, a hérnia abdominal é consequência de situações que forçam a região do corpo, como obesidade, gestação, constipação intestinal ou pegar muito peso, por exemplo. Além disso, tabagismo, diabetes e herança genética também são fatores de risco.
No Brasil, dados do DataSUS mostram que em 2024 foram realizadas 349.968 cirurgias de hérnia da parede abdominal pelo SUS. A maioria — mais de 311 mil — ocorreu de forma eletiva, enquanto 11% foram urgências.
Em estágios iniciais, as hérnias causam apenas leve desconforto, mas quanto antes elas forem reparadas, melhor. Apopulação deve ficar atenta a sintomas como:
- Presença de uma bolinha no abdomen ou na virilha;
- Dor ou desconforto no local, principalmente durante a prática de atividades físicas;
- Melhora dos sintomas com o repouso.
*A personagem preferiu não se identificar.
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Fonte: Metrópoles