O cinema brasileiro perdeu, neste sábado, 12 de julho, uma de suas vozes mais potentes. Jean-Claude Bernardet, aos 88 anos, faleceu após complicações de saúde. A confirmação partiu do cineasta Eugênio Puppo, parceiro em projetos voltados à reflexão sobre cinema e jornalismo.
De acordo com relatos de amigos próximos, o intelectual sofreu um AVC e estava internado no Hospital Samaritano, em São Paulo.
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Ainda que a causa da morte não tenha sido oficialmente divulgada, sabe-se que Bernardet convivia com um quadro delicado: era soropositivo, havia recebido diagnóstico de câncer de próstata reincidente e enfrentava perdas significativas de visão provocadas por uma degeneração ocular. Optou por não seguir tratamento quimioterápico.
O velório está marcado para o domingo, 13 de julho, entre 13h e 17h, na Cinemateca Brasileira, espaço ao qual aliás, ele esteve vinculado ao longo da carreira. A filha, Lígia Bernardet, viaja dos Estados Unidos para participar da cerimônia.
Nascido na Bélgica em 1936, Jean viveu a infância em Paris até se mudar com a família para o Brasil aos 13 anos. Em 1964, tornou-se cidadão brasileiro. Em agosto de 2024, foi homenageado com uma retrospectiva inédita de sua carreira, exibida nos centros culturais do Banco do Brasil em São Paulo e no Rio.
Produção extensa e engajada nas causas sociais
Jean-Claude Bernardet atuou com brilho em várias frentes do audiovisual. Roteirista, professor, escritor e ator, foi coautor do roteiro de “O Caso dos Irmãos Naves” (1967), dirigido por Luiz Sergio Person. A obra, baseada em fatos reais, expôs os horrores do Estado Novo ao narrar a prisão injusta de dois irmãos.
Como diretor, assinou títulos como “Eterna Esperança: sem pressa e sem pausa, como as estrelas” (1971), que documenta a tentativa de criação de um grande estúdio em São Paulo. Também dirigiu São Paulo: sinfonia e cacofonia (1994), um filme-convite à redescoberta da metrópole a partir de fragmentos de 100 longas rodados na cidade.
Em 2024, lançou ao lado de Fábio Rogério o curta “A Última Valsa”, que encerra sua trajetória na direção.
Nos anos 1950, Bernardet integrou o cineclube do Centro Dom Vital e trabalhou na Cinemateca Brasileira. Foi ali que desenvolveu sua veia crítica, escrevendo textos sobre nomes como por exemplo Fellini ,antes de voltar o olhar para o cinema nacional. Sua conexão com os diretores do Cinema Novo se fortaleceu ainda mais durante esse período.
Referência nas universidades e nas livrarias
A partir de 1967, Bernardet ingressou como professor na Universidade de Brasília e assim participou da criação do curso de cinema da instituição. Também lecionou na USP, de onde foi aposentado à força pela ditadura militar. Após a Anistia, contudo, retomou o posto em 1980. Nesse mesmo ano, lançou Brasil em tempo de cinema, título que inclusive reconfigurou o debate em torno do Cinema Novo.
Ao todo, assim publicou 25 livros no Brasil, transitando entre crítica, ficção e análise histórica. Entre os destaques estão Cineastas e imagens do povo (1985), Voo dos Anjos (1990) — sobre Bressane e Sganzerla — e Historiografia clássica do cinema brasileiro (1995). Também escreveu A doença, uma experiência (1996), um relato pessoal e sensível sobre sua convivência com o HIV. Já em Caminhos de Kiarostami (2004), analisou a obra do cineasta iraniano.
Nos últimos anos, Bernardet deixou de lado a crítica tradicional para atuar em filmes como Antes do fim (2017), de Cristiano Burlan, contracenando com Helena Ignez em um drama que mescla ficção e realidade. A mudança refletiu sua busca contínua por novas formas de expressão.
Homenagens de colegas e instituições
A Cinemateca Brasileira divulgou nota lamentando a perda do cineasta, que durante décadas colaborou com a entidade. “Figura central e incontornável do pensamento e da produção cultural brasileira”, afirma o texto. O local abriga o Arquivo Jean-Claude Bernardet, doado por ele em 1988 e enriquecido ao longo dos anos.
A Abraccine (Associação de Críticos de Cinema do Brasil) também prestou tributo, relembrando a obra Bernardet 80: Impacto e Influência no Cinema Brasileiro, publicada em 2017 e organizada por Ivonete Pinto e Orlando Margarido.
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Na ocasião, Ivonete o descreveu como “o intelectual mais produtivo em ação; o mais polêmico, o mais inventivo”. Já Margarido afirmou que Jean-Claude era “um pensador em busca de se redefinir sempre”.
A diretora Anna Muylaert escreveu em sua homenagem: “Jean Claude, patrimônio nacional, partiu desse mundo e com ele um tanto da beleza do mundo inquieto e profundo que ele nos ensinou a ver. Obrigado mestre por ser tanto e tantas coisas. Pra sempre em nossos corações e mentes.”
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Fonte: OFuxico